Para explicarmos o fenómeno das “maldições”
que estão presentes na história do cinema, basta recuarmos até ao ano de 1922,
mais concretamente em Outubro dá-se a maior descoberta da humanidade (um século
após a decifração da Pedra da Roseta por Jean-François Champollion): Descobre-se
o túmulo de Tutankhamon.
Nesta história temos que procurar vários
mosaicos, o primeiro leva-nos a encontrar no meio das areias do tempo duas
personagens que ficarão para sempre ligadas a este momento: Howard Carter e
Lord Carnavon. Nem um, nem outro são pessoas vulgares. Têm ambições, angústias
que serão um dia referidas em ensaios, documentários e em romances de temática
egiptológica – “O caso Tutankhamon” e o “Egiptólogo” -. Mas voltemos ao
cerne da questão onde se encontram as duas personagens de charneira da nossa
aventura pela demanda da egiptologia e daquilo que ela viria a desencadear no
futuro. Após a abertura de uma das câmaras funerárias, alguns dos membros da
equipa das escavações começam a adoecer. O que terá passado? Acordaram o
espírito do faraó menino? Espoletaram a fúria dos deuses adormecidos? É que
nesse período a imprensa começa a desenvolver uma série de teorias sobre as
indisposições dos membros da equipa. Eis que o inesperado o acontece quando um
dos membros dessa expedição adoece, designadamente um dos líderes da expedição
arqueológica.
As pessoas e os jornais crêem que a
maldição da múmia está bem próxima de cada um deles, pois os arqueólogos ao
entrarem na câmara funerária terão desafiado as velhas maldições. Mas será
mesmo isso?
Encontramo-nos diante desse túmulo e
pela primeira vez desde milhares de anos é aberto... é claro que todas as
consequências que se lhe seguem não são inocentes para uma imprensa na esperança
de semear o “terror” e pouco informada.
Se alguém adoece misteriosamente pelo
facto de entrar num local selado há milhares de anos não será por uma maldição
ou praga lançada aos mesmos milhares de anos. O que a imprensa de então, e
também os médicos não perceberam foi que aqueles homens estiveram num local que
durante milhares de anos estivera fechado e ao ser aberto ao exterior libertou
um conjunto de bactérias, vírus, poeiras e outros microrganismos...
Tal como se de um romance policial se
tratasse coisas estranhas começam a acontecer... e os jornais é claro, não
querem perder o mote, aumentando a desconfiança e a crendice!
É aqui que começam as histórias de
maldições por terem afrontado o espírito e o túmulo do Faraó. Tinham o
acordado; mas em pleno século XX, com o desenvolvimento da ciência, tendo já
conhecimento das pesquisas de Loius Pasteur, será isto possível meus senhores?
Não, é claro que eles não sabiam que a sala do túmulo havia adquirido bactérias
e todo um outro conjunto de microorganismos que se tinham desenvolvido
naquele espaço concreto e isolado do resto do mundo, e ao qual as pessoas do mundo exterior ficariam
vulneráveis ao entrar nele.
Mas todo este “segredo” só será desvendado
muitos anos depois após a larga imaginação dos escritores e realizadores terem
já semeado a desconfiança, a crendice e a fantasia.
Acreditamos que as múmias nem se quer
sabiam que seriam um espectáculo rentável que levaria uma multidão de fãs a procurar
a partir daí histórias fantásticas de seres do passado que confundiam arqueólogas
com as suas bem amadas...
2. A decifração dos segredos
No fundo a descoberta da Sala de Tutankhamon
vale pela excepcional beleza ao conter, pela primeira vez na história da
arqueologia, um espólio completo de um Faraó que morreu muito novo. Esta talvez
tenha sido a maior descoberta do século passado.
Mas nem tudo está desvendado porque as
grandes questões que nos surgem são
outras, como por exemplo: Como conseguiram os egípcios construir as pirâmides?
Um novo grupo de teorias vem à baila.
Filmes, séries televisivas, livros, e pessoas ávidas de conhecimentos fora do
comum procuram no Egipto o seu “Santo Graal “.
Não estamos em Avalon... nem sequer há
vegetação semelhante que nos permita tais divagações, nem a gramática
mitológica é idêntica. A culpa é normalmente dos realizadores de ficção
científica que transformam os deuses em carrascos ou defendem, ainda, a tese de
que as pirâmides foram construídas com o suor dos escravos ao som do chicote,
ou então com ajuda extraterrestre.
Será mesmo verdade? Ou não estaremos nós
num caminho entre a fé e o fantástico? São essas duas palavras que diferem de
uma outra: Ciência.
Para
podermos explicar o fenómeno extraterrestre
teremos que procurar as raízes da religião egípcia. Um Faraó é um ser divino que ascende aos céus daí
as pirâmides como que apontarem para os céus a sua construção imortalizou um
arquitecto: Himnopteh.
Este arquitecto nem sequer tem orelhas
grandes, nem sequer é verde ou vermelho. É antes de mais um arquitecto da terceira
dinastia que realiza uma das maiores obras de arquitectura que ficará para a
posteridade.
Para além disso o Faraó não era um homem
comum aos olhos dos seus contemporâneos. Após a sua morte, subia ao céu e
juntar-se-ia na barca solar aos deuses das épocas míticas da formação da terra
do Nilo, o reino do Alto e do Baixo Egipto. E os escravos? Quem são afinal?
Nos últimos 20 anos a arqueologia trouxe
uma outra visão destes pobrezinhos que ainda ouvimos nas salas da catequese ou
nos apodrecidos manuais de liceu cujos docentes de então não conheciam a
palavra egiptologia .
A cadeira Civilizações Pré-Clássicas era
o bicho papão universitário e era entregue como espécie de susto aos professores
assistentes na emergente peripécia da sua nova vida...
Passamos então a explicar quem era
afinal o grupo que estava nas pedreiras. Era constituído por indivíduos que
trabalhavam por que as terras se encontravam inundadas. Ou seja mão-de-obra
agrícola que no período natural de fertilização dos solos – de Junho a Setembro
– estavam sem trabalham.
Mais recentemente chegou-se à conclusão
de que eram homens muito bem pagos e que tinham
cuidados médicos ... Caiu assim por terra a tese
de que estávamos habituados da escravidão a chicote...
Tudo não passava de uma forma de contabilizar
o número de homens e mulheres que durante o período das chuvas não trabalham os
solos mas não se queriam inactivos numa sociedade próspera.
Além do facto de considerarem um momento
único o poderem trabalhar para o deus em que acreditavam, o seu Faraó que regia
toda a vida e que era a reencarnação do deus Horus.
Como explicar agora os fenómenos de maldição
e do regresso morto à terra?
As séries ou os filmes que nos habituaram
a ver dão-nos uma ideia de seres terríveis sedentos de sangue ou que por um
azar ainda não tiveram uma cerimónia fúnebre apropriada. O que de uma certa
forma até poderia condizer com a boa maneira egípcia... mas não exageremos.
É que os mortos do Antigo Egipto tinham
uma vida semelhante aos vivos e daí as imagens que vemos nos túmulos são
claramente esse universo. Levavam os seus bens e naturalmente os alimentos que
deviam estar sempre frescos para continuarem a sua vida no Além.
É que aqui a morte não tem as mesmas
cores com que nós a pintamos, mas sim com um pássaro que desaparece e que volta
mais tarde para reconhecer o corpo.
Se
o morto não fosse preparado o pássaro não o reconheceria e passaria
imediatamente a uma espécie de jogo de glória, segundo o qual o corpo teria que
passar por um tribunal (onde estariam cerca de 42 juízes e aí o morto deveria fazer a sua auto-defesa . O morto devia fazer-se acompanhar por uma espécie de “Código Civil “ – O livro
dos mortos e recitar respectivo capítulo 125.
O morto devia clamar a sua inocência. A
nossa dúvida centra-se precisamente nesta questão “Como é que o morto conseguia
sobreviver?”.
Para tal os sacerdotes deviam proceder
ao ritual da abertura da boca, o que lhe daria a vida eterna.
Quando vemos o filme “A múmia”, não se
pode aceitar de ânimo leve que o escaravelho seja o símbolo da destruição, o
realizador não terá lido alguns catálogos de exposições ou ensaios que explicam
que o escaravelho é posto junto do coração do morto após o processo da
mumificação. Pois este senhor realizador conhecer os últimos avanços da
Egiptologia portuguesa, nomeadamente a Tese de
Rogério Ferreira de Sousa.
Lendo Ferreira de Sousa compreendemos
que o escaravelho é o símbolo da ressurreição daí ser posto junto do coração do
morto. Até ao amanhecer o Sol representa o escaravelho que renova a vida e traz
uma nova luz sobre a vida eterna.
3 . E a ficção científica, onde fica?
Abordemos algumas teses sobre a
construção das pirâmides, mas elas também foram objecto de tema por parte de
alguns realizadores cinematográficos e autores científicos.
Em 2001 uma revista científica de grande
divulgação em França falava deste assunto, mas é sobretudo na televisão e no
cinema que esse a construção das pirâmides nos propõe um olhar para um universo
fantástico.
No filme em questão que daria origem a
uma série de televisão, um egiptólogo
afirmava de os deuses
egípcios escravizaram uma parte da
população egípcia. Ele tinha uma prova que demonstra tudo o que afirmava: a
máquina do tempo!
Algo que faria maravilhas a qualquer historiador
para provar a sua tese...
Imagine-se
levar um júri académico e o seu público a determinado local e época remotos.
Este não será de facto um tema a levar
em conta e que nos faz recordar os tempos de estudantes em que colegas mais
ousados questionavam o professor sobre estas matérias. Ao que o professor
argumentava se não se enganaram na licenciatura que estavam a tirar. Não
estariam mais vocacionados para as Línguas e Literaturas Modernas? Talvez tivesse
tido essa sorte Enki Bilal, o autor que falámos no início.
Não
terá seguido o conselho do seu mestre e terá
escrito uma banda desenhada intitulada “A feira dos imortais”, “A mulher
armadilha” e “O frio polar” que dariam em 2004 origem ao filme “O imortal”
A história não contém especialistas
envolvidos em matérias anteriormente debatidas, mas sim, passa-se num futuro
que traz à tona uma lenda da V dinastia que seria aproveitada no período
intermediário para sustentáculo do poder.
Na história em questão O IMORTAL, o deus
Horus, necessita de procriar para escapar à morte. A história não fica por aqui
e já nos mostra uma perseguição policial, uma intriga política e as rivalidades
entre os deuses e deusas. Para além disso, surge uma mulher que convém a Horus
que seja a aquela de quem virá a ter um filho, e para tal cópula precisa de um
corpo humano... A história passa-se em Nova Iorque, com mafiosos, egiptólogos e
deuses que falam em egípcio antigo. Lá faltavam eles para nos auxiliar já que Horus
concebe o filho num corpo–hóspede. Pelo sim pelo não, vale apenas passar pela
Avenida de Berna para ver o falcão que protege o fundador da instituição que
lhe dá o nome. Quem sabe se não sentimos uma bicada deste animal sagrado?
Afinal a história da ficção científica acompanha
a ciência num universo que não a compreende, mas basta ter um olhar crítico
para sabermos aquilo em que tomamos como verdade. Porque a verdade como disse
alguém, “é menos interessante que a imaginação”. Afinal nem somos assim tão
diferentes dos extra-terrestres que construíram as pirâmides.
Alguém dúvida?
Cfa Artur Philips , O Egiptólogo, Gótica ,
2005