A Chegada
Quando um de nós tem uma ideia por mais pequena
que seja de uma desgraça sorrimos, mas temos a tendência para esconder essa
faceta menos nobre porque a sociedade a considera abominável. Os ardis que propomos
montar às vítimas que optamos tratam-se de seres desgraçados, uns farrapos aos
quais não há o mero interesse de lhe tirar o tapete. Eu integro-me nessa categoria,
fui um homem que tive o mundo inteiro aos pés mas acabei por perder tudo. A
Bíblia conta a minha história. Podem procurar ou chegar a uma igreja e ouvir
uma lengalenga e que eu sou aquele que aguenta tudo. Meus caros senhores não
sirvo de exemplo para ninguém, nem a essa “tiazinha intelectual”, a que Satanás
e Deus se propuseram desferir o golpe fatal. Eu tenho pena da vida dela daqui
para o futuro. O que lhe poderá acontecer se o Demónio e Deus se lembrarem de
jogar ao azar com ela. Tenho-lhes ódio! Por isso vou fazer com que essa
felicidade momentânea seja reduzida a cacos, como uma autêntica descoberta arqueológica
seja colada aos bocadinhos com uma enorme paciência laboratorial, ou de Job, já
agora.Assim acabo por ter uma enorme ternura por esta mulher
que passa horas à volta dos livros, lendo documentos, reescrevendo o texto que
tem em mãos para entregar ao orientador. Reconheço assim a sua enorme vontade em
descobrir a sua identidade como se estivesse envolta em pó prestes a ser limpa para
se dar de conta de pormenores que até então alguns arqueólogos achariam uma
descoberta bombástica. Lembro-me de Sancha em pequena. Sempre atenta,
sempre pronta a superar-se numa família onde 25 de Abril era assunto morto e enterrado,
apenas lhe fora incutido o gosto da cartilha maternal. Ela acabaria por ser
conhecida como “fascizóide”. Apesar dessa cicatriz educacional Sancha sempre
foi boa aluna, porque quis esquecer quem era a sua família apesar de ter
registado ao mais ínfimo pormenor tudo aquilo que lhe era dito. Ela era uma
sombra na família tal como o rei que se havia de perder por amores, Sancha
nunca iria singrar na vida. Sancha testou-se a si mesma para conhecer os
buracos negros que haviam dentro de si para encontrar a liberdade de pensamento
que nunca tivera desde criança. Martim era a faísca que a acendia, era a página arrancada
do diário secreto dos seus pensamentos, com ele tudo fazia sentido!
Sancha olhava provocatoriamente para aquele homem
mirando-o de alto a baixo centrando-se a partir
da zona das calças de sarja com bolsos através de olhares libidinosos ao
qual a sua família morreria de vergonha. Sancha a “Provocadora” desejava ter o seu espaço próprio
e esquecer a ideia de monarquia que lhe haviam incutido desde miúda. Tudo isso
estava a mudar porque estava prestes a ter uma mudança de trezentos e cinquenta
graus. Assim que vi pela primeira vez o seu rosto acabei
por me apaixonar por ela, porque ela me recordava tudo aquilo que eu fora um dia.
Rico, respeitado, casado e com filhos. Porém tudo isso mudou a partir de uma única aposta
de duas “pessoas” que se detestavam e gostavam de jogar com a vida dos seres humanos,
talvez porque nunca tivessem tido necessidade de fazer psicanálise, por isso,
não tinham capacidade de olhar para dentro de si. Eu sou a prova disso, sou uma espécie de cobaia
dessa desgraça, aquele que nasceu um dia, morreu e pereceu.
Quero preparar a vingança ao reconstruir a vida de
Sancha, a partir da morte do homem que a fazia viver. Era sem dúvida um cruel destino,
tirar-lhe a ideia paterna dentro dela. Mas vocês perguntar-me-ão: Mas você não
terá vida? Todos me conhecem como aquele que se resignou
perante as situações, sempre temente a Deus e agora estou a ver a mesma
história a repetir-se. Tenho que fazer alguma coisa. Vejo Martim chegar. Está morto. Entontecido, sem
saber o que fazer, posto à prova, são-lhe dadas várias senhas para que adquira
um curso para novas competências, isto resume-se ao universo da morte. Esses
cursos têm início a partir do momento em que eles se dão conta de que já partiram
do outro mundo para este, onde eles crêem que não há outra vida para além daquela
que tiveram. Esses cursos de formação tem por norma aprender a
ser morto e o que fazer quando os defuntos vêm as suas campas. As questões que
lhes fazem são as seguintes:
“Você não consegue adaptar-se a esta nova fase?
Acredita que pode viver mais mil anos? Onde? E em que corpo? Para lhes dar essas respostas existem formadores
tão famosos que vocês não iriam acreditar! Agatha Christie, Sherolk Holmes, Freud,
Yung a quem Deus e o Diabo repetiram programas ao mesmo tempo sem que estes
tivessem tempo para os fazer, tudo era feito em cima do joelho. Mas isso não se
vai escrever aqui. Resta imaginar. Até breve.
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