fanzine Tertuliando (On-line)

Este "blog" é a versão "on-line" da fanzine "Tertuliando", publicada pela Casa Comum das Tertúlias. Aqui serão publicados: artigos de opinião, as conclusões/reflexões das nossas actividades: tertúlias, exposições, concertos, declamação de poesia, comunidades de leitores, cursos livres, apresentação de livros, de revistas, de fanzines... Fundador e Director: Luís Norberto Lourenço. Local: Castelo Branco. Desde 5 de Outubro de 2005. ISSN: 1646-7922 (versão impressa)

sábado, março 15, 2014

JARDINEIRAS À INANA

Desde o princípio dos tempos que Deus e o Demónio competem um com o outro. Desde Job que não tinham uma razão para dar uma “prá caixa”.  Tristes com a juventude decidiram arranjar uma nova vítima. Diante do visor do computador que têm na sala de reuniões do Destino que Deus (Todo Poderoso) e o Diabo (Menos Poderoso) decidem o destino de uma pessoa. Escolheram à sorte ou ao azar. Era o jogo mais antigo que ainda se divertiam a fazer. Esmagar essa pessoa que ficaria cada vez mais desgraçada. Desta vez tratou-se de uma “menina bem”. O seu nome: Sancha.

Deus e o Diabo não costumavam reparar na aparência, e apenas sabiam que ela era jovem, bonita e inteligente. Estas eram as palavras que eles definiam em primeira-mão.

Tinha que se ser simplesmente jovem, atraente e bonita. Se não se tivesse estas três qualidades o plano deles perdia-se completamente. Para completar o ramalhete faltava algo para dar sal à jogada.

Não demoraram a descobrir um jovem de boas famílias, porém subversivo, a que as conversas de Direita lhe davam volta ao estômago. Descobriram assim Martim. Era lindo de morrer, deixava qualquer mulher à banda, mas era sobretudo um “tio” diferente. Era historiador na linha de Marc Bloch, como ele próprio se definia. Era o que apelidavam “tio vermelho”.

Martim ou Titas, como era conhecido pela família, era de extremos. Revolucionário de ideias, amante de questões perturbadoras tais como a interrupção voluntária da gravidez, da eutanásia e da despenalização das drogas leves. Diziam as criadas lá de casa que o menino aos 15 anos quisera ir viajar pela Europa fora dos circuitos turísticos. No entanto, Martim parecia um daqueles modelos saídos das revistas de moda masculina, num estilo marxista com cabelo comprido e barba por fazer.

Quem o via noutros campos não sabia quem ele era. Sim, porque ele desde muito cedo se aventurara a experimentar todo o género de trabalhos.

Foi num desses trabalhos ao acaso que Martim conheceu a mulher da sua vida. A nossa querida vítima, Sancha Beirão de Vasconcelos. Ele não deixou de reconhecer aquela menina completamente irritante, cheia de aparências, com a mania das grandezas. Lembrava-se que se havia irritado com toda aquela conversa de Direita. Conversa que reconhecia da sua família. Um amigo seu dizia-lhe que estava apaixonado por ela precisamente porque tinha as características da sua família. Mas isso, ele não podia tolerar.

O que aconteceu é que nos dias seguintes ambos se encontraram na biblioteca da Faculdade.

- Desculpe, mas nós não conhecemos já?

- Desculpe? – perguntou ela.

Assim começou tudo: Martim e Sancha estariam unidos para sempre. Ambos ferviam, criticavam-se, mas amavam-se. Explodiam com as ideias um do outro, mas acabavam por se beijar.

Martim era a pessoa ideal que Deus e o Diabo necessitavam para transformar a vida da famosa historiadora num autêntico deserto. Deserto esse que dentro de si só a lembrança do seu grande amor se transformaria num oásis, queriam transformá-la num cacto cheio de espinhos que quem a quisesse exibir, fosse picado pela sua amargura. Esse era o seu objectivo a curto prazo, a necessidade de transformar aquele autêntico mar de alegria numa longa peregrinação pelo pólo Norte da tristeza e esse deserto de gelo notar-se-ia dentro de pouco tempo simplesmente com a morte de Titas. A ausência daquele que era o seu grande amor estava a um passo da sua desgraça, mas não sabiam nem os mais que tudo (Deus e o Diabo) nem os amorosos que eu estava a par de tudo e preparava-me para vingar do que me haviam feito há muito, muito tempo atrás.

Eu Job, aquele que chorou lágrimas de me ter arrependido do dia em que nasci, acabaria agora por ter a razão da minha existência. Faria a minha vingança: dividir para reinar. Eis agora o meu reino. Este seria pois o meu princípio. Estar do lado de Deus e do Diabo. Sabe-se lá do que ele é capaz!!!...

Mas eu como sou tão desgraçado acabaria por viver com duas almas tão, como direi, tão puras?

Querem saber afinal como tudo começou? Deus e o Diabo apostaram há muito tempo na minha vida, mas eu acabei por me tornar uma espécie de escravo! Ai de mim! Que sou tão desgraçadinho! Ninguém gosta de mim se perdi mulher, casa, seara, filhos e agora resta-me estar aqui nesta maldita reunião onde Deus e o Diabo bebem que se fartam num bar muito especial. Dir-vos-ia até arrepiante! Só de olhar para o seu nome dá-me vontade de chorar “Eterna saudade”, assim se chama o bar.

Aqui num local onde os mortos são vistos e revistos eu não teria a certeza de que estes dois “biltres” fossem capazes de urdir uma nova aposta.

Eu resisto à bebida para que a verdade não me salte da boca, pois porque a partir deste momento, só me resta uma única coisa: vingar-me daqueles que tornaram a minha vida num inferno! Delirante! Como é que o destino não podia ser mais irónico do que isto?