fanzine Tertuliando (On-line)

Este "blog" é a versão "on-line" da fanzine "Tertuliando", publicada pela Casa Comum das Tertúlias. Aqui serão publicados: artigos de opinião, as conclusões/reflexões das nossas actividades: tertúlias, exposições, concertos, declamação de poesia, comunidades de leitores, cursos livres, apresentação de livros, de revistas, de fanzines... Fundador e Director: Luís Norberto Lourenço. Local: Castelo Branco. Desde 5 de Outubro de 2005. ISSN: 1646-7922 (versão impressa)

sábado, março 15, 2014

A Egiptomania em Portugal

Para explicarmos o fenómeno das “maldições” que estão presentes na história do cinema, basta recuarmos até ao ano de 1922, mais concretamente em Outubro dá-se a maior descoberta da humanidade (um século após a decifração da Pedra da Roseta por Jean-François Champollion): Descobre-se o túmulo de Tutankhamon.

Nesta história temos que procurar vários mosaicos, o primeiro leva-nos a encontrar no meio das areias do tempo duas personagens que ficarão para sempre ligadas a este momento: Howard Carter e Lord Carnavon. Nem um, nem outro são pessoas vulgares. Têm ambições, angústias que serão um dia referidas em ensaios, documentários e em romances de temática egiptológica – “O caso Tutankhamon”[1] e o “Egiptólogo”[2] -. Mas voltemos ao cerne da questão onde se encontram as duas personagens de charneira da nossa aventura pela demanda da egiptologia e daquilo que ela viria a desencadear no futuro. Após a abertura de uma das câmaras funerárias, alguns dos membros da equipa das escavações começam a adoecer. O que terá passado? Acordaram o espírito do faraó menino? Espoletaram a fúria dos deuses adormecidos? É que nesse período a imprensa começa a desenvolver uma série de teorias sobre as indisposições dos membros da equipa. Eis que o inesperado o acontece quando um dos membros dessa expedição adoece, designadamente um dos líderes da expedição arqueológica.

As pessoas e os jornais crêem que a maldição da múmia está bem próxima de cada um deles, pois os arqueólogos ao entrarem na câmara funerária terão desafiado as velhas maldições. Mas será mesmo isso?

Encontramo-nos diante desse túmulo e pela primeira vez desde milhares de anos é aberto... é claro que todas as consequências que se lhe seguem não são inocentes para uma imprensa na esperança de semear o “terror” e pouco informada.

Se alguém adoece misteriosamente pelo facto de entrar num local selado há milhares de anos não será por uma maldição ou praga lançada aos mesmos milhares de anos. O que a imprensa de então, e também os médicos não perceberam foi que aqueles homens estiveram num local que durante milhares de anos estivera fechado e ao ser aberto ao exterior libertou um conjunto de bactérias, vírus, poeiras e outros microrganismos...

Tal como se de um romance policial se tratasse coisas estranhas começam a acontecer... e os jornais é claro, não querem perder o mote, aumentando a desconfiança e a crendice!

É aqui que começam as histórias de maldições por terem afrontado o espírito e o túmulo do Faraó. Tinham o acordado; mas em pleno século XX, com o desenvolvimento da ciência, tendo já conhecimento das pesquisas de Loius Pasteur, será isto possível meus senhores?

Não, é claro que eles  não sabiam que a sala do túmulo havia adquirido  bactérias  e todo um outro conjunto de microorganismos que se tinham desenvolvido naquele espaço concreto e isolado do resto do mundo, e ao qual as pessoas  do mundo exterior  ficariam  vulneráveis ao entrar nele.

Mas todo este “segredo” só será desvendado muitos anos depois após a larga imaginação dos escritores e realizadores terem já semeado a desconfiança, a crendice e a fantasia.

Acreditamos que as múmias nem se quer sabiam que seriam um espectáculo rentável que levaria uma multidão de fãs a procurar a partir daí histórias fantásticas de seres do passado que confundiam arqueólogas com as suas bem amadas...

2. A decifração dos segredos

No fundo a descoberta da Sala de Tutankhamon vale pela excepcional beleza ao conter, pela primeira vez na história da arqueologia, um espólio completo de um Faraó que morreu muito novo. Esta talvez tenha sido a maior descoberta do século passado.

Mas nem tudo está desvendado porque as grandes questões  que nos surgem são outras, como por exemplo: Como conseguiram os egípcios construir  as pirâmides?

Um novo grupo de teorias vem à baila. Filmes, séries televisivas, livros, e pessoas ávidas de conhecimentos fora do comum procuram no Egipto o seu “Santo Graal “.

Não estamos em Avalon... nem sequer há vegetação semelhante que nos permita tais divagações, nem a gramática mitológica é idêntica. A culpa é normalmente dos realizadores de ficção científica que transformam os deuses em carrascos ou defendem, ainda, a tese de que as pirâmides foram construídas com o suor dos escravos ao som do chicote, ou então com ajuda extraterrestre.

Será mesmo verdade? Ou não estaremos nós num caminho entre a fé e o fantástico? São essas duas palavras que diferem de uma outra: Ciência.

Para  podermos explicar  o fenómeno extraterrestre teremos  que  procurar as raízes da religião egípcia.  Um Faraó é um ser divino que ascende aos céus daí as pirâmides como que apontarem para os céus a sua construção imortalizou um arquitecto: Himnopteh.

Este arquitecto nem sequer tem orelhas grandes, nem sequer é verde ou vermelho. É antes de mais um arquitecto da terceira dinastia que realiza uma das maiores obras de arquitectura que ficará para a posteridade.

Para além disso o Faraó não era um homem comum aos olhos dos seus contemporâneos. Após a sua morte, subia ao céu e juntar-se-ia na barca solar aos deuses das épocas míticas da formação da terra do Nilo, o reino do Alto e do Baixo Egipto. E os escravos? Quem são afinal?

Nos últimos 20 anos a arqueologia trouxe uma outra visão destes pobrezinhos que ainda ouvimos nas salas da catequese ou nos apodrecidos manuais de liceu cujos docentes de então não conheciam a palavra egiptologia .

A cadeira Civilizações Pré-Clássicas era o bicho papão universitário e era entregue como espécie de susto aos professores assistentes na emergente peripécia da sua nova vida...

Passamos então a explicar quem era afinal o grupo que estava nas pedreiras. Era constituído por indivíduos que trabalhavam por que as terras se encontravam inundadas. Ou seja mão-de-obra agrícola que no período natural de fertilização dos solos – de Junho a Setembro – estavam sem trabalham.

Mais recentemente chegou-se à conclusão de que eram homens muito bem pagos e que tinham  cuidados médicos ... Caiu assim por terra  a tese  de que  estávamos  habituados da escravidão a chicote...

 Tudo não passava de uma forma de contabilizar o número de homens e mulheres que durante o período das chuvas não trabalham os solos mas não se queriam inactivos numa sociedade próspera.

Além do facto de considerarem um momento único o poderem trabalhar para o deus em que acreditavam, o seu Faraó que regia toda a vida e que era a reencarnação do deus Horus.

Como explicar agora os fenómenos de maldição e do regresso morto à terra?

As séries ou os filmes que nos habituaram a ver dão-nos uma ideia de seres terríveis sedentos de sangue ou que por um azar ainda não tiveram uma cerimónia fúnebre apropriada. O que de uma certa forma até poderia condizer com a boa maneira egípcia... mas não exageremos.

É que os mortos do Antigo Egipto tinham uma vida semelhante aos vivos e daí as imagens que vemos nos túmulos são claramente esse universo. Levavam os seus bens e naturalmente os alimentos que deviam estar sempre frescos para continuarem a sua vida no Além.

É que aqui a morte não tem as mesmas cores com que nós a pintamos, mas sim com um pássaro que desaparece e que volta mais tarde para reconhecer o corpo.

 Se o morto não fosse preparado o pássaro não o reconheceria e passaria imediatamente a uma espécie de jogo de glória, segundo o qual o corpo teria que passar por um tribunal (onde estariam cerca de 42 juízes e aí o morto deveria fazer  a sua auto-defesa .  O morto devia fazer-se acompanhar  por uma espécie de “Código Civil “ – O livro dos mortos  e recitar  respectivo capítulo  125.

O morto devia clamar a sua inocência. A nossa dúvida centra-se precisamente nesta questão “Como é que o morto conseguia sobreviver?”.

Para tal os sacerdotes deviam proceder ao ritual da abertura da boca, o que lhe daria a vida eterna.

Quando vemos o filme “A múmia”, não se pode aceitar de ânimo leve que o escaravelho seja o símbolo da destruição, o realizador não terá lido alguns catálogos de exposições ou ensaios que explicam que o escaravelho é posto junto do coração do morto após o processo da mumificação. Pois este senhor realizador conhecer os últimos avanços da Egiptologia portuguesa[3], nomeadamente a Tese de Rogério Ferreira de Sousa[4].

Lendo Ferreira de Sousa compreendemos que o escaravelho é o símbolo da ressurreição daí ser posto junto do coração do morto. Até ao amanhecer o Sol representa o escaravelho que renova a vida e traz uma nova luz sobre a vida eterna.

3 . E a ficção científica, onde fica?

Abordemos algumas teses sobre a construção das pirâmides, mas elas também foram objecto de tema por parte de alguns realizadores cinematográficos e autores científicos.

Em 2001 uma revista científica de grande divulgação em França falava deste assunto, mas é sobretudo na televisão e no cinema que esse a construção das pirâmides nos propõe um olhar para um universo fantástico.

No filme em questão que daria origem a uma série de televisão, um egiptólogo  afirmava de  os deuses egípcios  escravizaram uma parte da população egípcia. Ele tinha uma prova que demonstra tudo o que afirmava: a máquina do tempo!

Algo que faria maravilhas a qualquer historiador para provar a sua tese...

 Imagine-se levar um júri académico e o seu público a determinado local e época remotos.

Este não será de facto um tema a levar em conta e que nos faz recordar os tempos de estudantes em que colegas mais ousados questionavam o professor sobre estas matérias. Ao que o professor argumentava se não se enganaram na licenciatura que estavam a tirar. Não estariam mais vocacionados para as Línguas e Literaturas Modernas? Talvez tivesse tido essa sorte Enki Bilal, o autor que falámos no início.

 Não terá seguido o conselho do seu mestre e terá  escrito uma banda desenhada intitulada “A feira dos imortais”, “A mulher armadilha” e “O frio polar” que dariam em 2004 origem ao filme “O imortal”

A história não contém especialistas envolvidos em matérias anteriormente debatidas, mas sim, passa-se num futuro que traz à tona uma lenda da V dinastia que seria aproveitada no período intermediário para sustentáculo do poder.

Na história em questão O IMORTAL, o deus Horus, necessita de procriar para escapar à morte. A história não fica por aqui e já nos mostra uma perseguição policial, uma intriga política e as rivalidades entre os deuses e deusas. Para além disso, surge uma mulher que convém a Horus que seja a aquela de quem virá a ter um filho, e para tal cópula precisa de um corpo humano... A história passa-se em Nova Iorque, com mafiosos, egiptólogos e deuses que falam em egípcio antigo. Lá faltavam eles para nos auxiliar já que Horus concebe o filho num corpo–hóspede. Pelo sim pelo não, vale apenas passar pela Avenida de Berna para ver o falcão que protege o fundador da instituição que lhe dá o nome. Quem sabe se não sentimos uma bicada deste animal sagrado?

Afinal a história da ficção científica acompanha a ciência num universo que não a compreende, mas basta ter um olhar crítico para sabermos aquilo em que tomamos como verdade. Porque a verdade como disse alguém, “é menos interessante que a imaginação”. Afinal nem somos assim tão diferentes dos extra-terrestres que construíram as pirâmides.

Alguém dúvida?



[1] Cfa Christian Jacq,  O Caso Tutankamon , Ed. Bertrand , 1995, 4 ª ed. (trad. de Maria  Carlota  Àlvares  da Guerra )
[2] Cfa  Artur Philips , O Egiptólogo, Gótica , 2005
[3] Cfra Luís Manuel  Araújo “ Um escaravelho  do coração  numa colecção privada  portuguesa “ , in Museu , nº9(2000), (IVª série , pp 7-27  )
[4] Cfra  Rogério de Ferreira de Sousa , A simbólica do Coração , Dissertação de doutoramento em História e Cultura Pré – Clássica ; Faculdade de Letras  da Universidade do Porto