Há cerca de dez anos atrás julgava eu seguir as pisadas da história antiga quando num seminário internacional Mário Liverani (prestigiado assirólogo da universidade La Sapienza) apresentou uma curiosa comunicação, “The tribunal of history”, mais tarde publicado na revista Cadmo. Volvidos mais de 11 anos será possível apresentarmos um julgamento em defesa do anticolonialismo de Amilcar Cabral se bem vistas as coisas, aos nossos olhos elas parecem-nos cruéis, e de que violência só gera mais violência, mas para isso deveremos nós entrar dentro do espírito da época deste autor, ou melhor deste teórico lusófono.
Fazendo justiça às ideias de uma colega de mestrado no Seminário de Ideias Políticas que afirmou numa aula: “Portugal nunca teve o seu grande teórico político”.
Para podermos compreender melhor Amílcar Cabral achamos por bem seguir a sua própria vida, conforme iremos fazer uma síntese das suas próprias ideias, para tal decidimos propor a seguinte hipótese: Será Amilcar Cabral o grande teórico português? Ou colocaremos a questão nesta tónica: “Foi necessário ele ter frequentado a Casa dos Estudantes do Império, em Lisboa, para despertar de uma longa noite colonizadora? E se esse ambiente não era mais se não um episódio de um conto tradicional africano?
É neste sentido que António Tomás afirma “como compreender o apelo de Amílcar Cabral à violência, quando eu, sendo de Angola vivi na pele, ao longo de vários anos de guerra civil, o desfecho desta violência anti-colonial de que Amílcar Cabral foi um dos iniciadores? Como compreender a legitimidade da guerra desencadeada por Amílcar Cabral e pelos seus companheiros quando nós, angolanos, guineenses e moçambicanos, sabemos hoje o que ele não viveu o suficiente para presenciar: os golpes de Estado, os fuzilamentos arbitrários e as guerras civis como continuação da guerra colonial? ”.
Diante de uma área de estudos diferentes, poderemos nós invocar um tribunal para ir em defesa de Amílcar Cabral? Seriam as suas ideias benéficas ou prejudiciais? Poder-se-á perdoar o uso da violência como uso de estratégia ou não poderemos nós tentar entender um povo em que durante séculos foi subjugado à posição de colonizador e colonizado? As suas próprias ideias políticas podem ou não transformar Amílcar Cabral num herói ou num vilão? Não me convém aqui fazer a apologia do herói trágico ou fazer um levantamento de todos os autores africanos para poder comparar Amílcar Cabral a um herói “pepeteliano”. Quem é afinal Amílcar Cabral diante destes meros resumos? Onde estão as suas principais ideias políticas que nós ouvimos ou decidimos investigar? Em que moldes surge a teoria de Cabral? Permite-nos seguir as linhas essenciais?
Por seu lado, Norrie Maqueen descreve Amílcar Cabral, deste modo: “Mestiço cabo-verdiano, embora nascido na Guiné, Cabral cursara Agronomia em Portugal. A sua profissão permitiu-lhe obter importantes conhecimentos tanto quanto às condições das massas rurais, como do clima político em todo o império; esteve, por exemplo, em Angola nos meados da década de 50, precisamente no período que antecedeu à formação do MPLA. Cabral foi o teórico mais profundo dos dirigentes nacionalistas na África Portuguesa (…)” .
Volvidos mais de 11 anos será possível apresentarmos um julgamento em defesa do anticolonialismo de Amilcar Cabral se bem vistas as coisas, aos nossos olhos elas parecem-nos cruéis, e de que violência só gera mais violência, mas para isso deveremos nós entrar dentro do espírito da época deste autor, ou melhor deste teórico lusófono . Fazendo justiças às ideias de uma colega de mestrado “Portugal nunca teve o seu grande teórico político “Foi necessário ele ter gvfrequentado a casa dos Estudantes do Império para despertar de uma longa noite colonizadora ? E que todo esse ambiente não era mais se não um episódio d eum conto tradicional africano?
Diante de uma área de estudos diferentes, poderemos nós invocar um tribunal para ir em defesa de Amílcar Cabral? Seriam as suas ideias benéficas ou prejudiciais? Poder-se-á perdoar o uso da violência como uso de estratégia ou não poderemos nós tentar entender um povo em que durante séculos foram subjugados à posição de colonizador e colonizado? As suas próprias ideias políticas podem ou não transformar Amílcar Cabral
num herói ou num vilão? Não me convém aqui fazer a apologia do herói trágico ou fazer um levantamento de todos os autores africanos para poder comparar Amílcar Cabral a um herói “pepeteliano”. Quem é afinal Amílcar Cabral diante destes meros resumos ? Onde estão as suas principais ideias políticas que nós ouvimos ou decidimos investigar ? Em que moldes surge a teoria de Cabral ? Permite-nos seguir as linhas essenciais?
Mas para chegarmos a um consenso devemos recuar até à década de 50 do século passado, quando o mundo era dividido num sistema bipolar e onde a maioria das colónias eram apenas “províncias ultramarinas” e que Portugal era sem dúvida uma grande nação. Não havia colónias, o que havia eram províncias que estavam fora de Portugal continental europeu. Depois a miséria abençoada pelo estadista português era um dogma que não se falava. Na santa Pátria lusitana não haviam diferenças, mas é aqui que irão surgir algumas diferenças entre colonizadores e colonizados. Além disso, Amílcar Cabral acabará por perceber tudo isso muito bem ao longo do seu trabalho em Cuba e mais tarde já como engenheiro chegará à conclusão de que a pobreza não está só em Portugal, mas noutros locais onde a diferença social e distributiva se pauta pela forma como a terra é trabalhada.
Deste modo “Amílcar Cabral tornara-se nacionalista muito mais pelo espectáculo da fome e miséria que presenciara na sua juventude do que pelas leituras marxistas que fizera em companhia de outros colegas africanos”.
Como diz António Tomás “Amílcar Cabral é uma das mais personalidades africanas mais interessantes do século XX. Homem de muitos paradoxos: como nacionalista, foi um homem de cultura; como teórico tirou mais lições de vida do que dos livros; e como militante armado e chefe de guerrilha preferiu a pacificação” .
Ora para compreendermos Amílcar Cabral não nos convém fazer a apologia do herói trágico ou de uma caracterização de toda a literatura africana para explorar como Cabral poderia ter sido traçado pelos diferentes autores. Não, muito pelo contrário olhamos para alguém que sabia muito bem onde pisava os pés e aquilo que era necessário (educação, cuidados médicos, habitação para todos, igualdade de direitos). Ao mesmo tempo fomos construindo uma biografia política, mas também decidimos construir a sua própria história através de Paulo Campbell , Sónia Borges , António Tomás , Carlos Lopes Pereira, entre outros.
O ENQUADRAMENTO HISTÓRICO
O fim da Segunda Guerra Mundial marca a etapa decisiva da descolonização. A França e a Inglaterra, possuidoras dos maiores impérios coloniais, não têm capacidade para nuum pós-guerra enfrentar revoltas espalhadas pela África e Oriente. Por outro lado a Carta das Nações Unidas consagra o princípio da autonomia, o que dá um novo dinamismo aos movimentos nacionalistas reforçado pela subida ao poder de Mao Tse-Tung na China, a derrota da França na Indochina e a nacionalização do canal do Suez, no Egipto.
A Inglaterra, em 1947, inicia a descolonização pacífica e integra as suas antigas colónias na Commonwelth, à excepção do Quénia. A França reconhece a independência da Tunísia e de Marrocos mas mantém uma guerra colonial na Argélia até 1962. A Sul do Saara a descolonização foi pacífica, excepto nos Camarões.
A Bélgica, ao retirar precipitadamente do Congo e apoiando uma das facções, deu origem a uma violenta guerra civil que só terminou em 1965 com a subida ao poder do general Mobutu.
Cientes da realidade africana, considerando que a partilha de África NA Conferência de Berlim (1884/1885) tinha criado fronteiras arbitrárias, sem levar em conta os factores culturais e étnicos dos povos indígenas, N’Kruman defende o pan-africanismo, Senghor um conjunto de valores culturais e étnicos a que se chama negritude, o que levaria a formação de uniões e federações de Estados. Estas, contudo foram efémeras. Devido ao tribalismo, às diferenças ideológicas, a luta pela liderança e as pressões das grandes potências,como a guerra fria a África mergulhou em conflitos sangrentos. Os movimentos nacionalistas da década de 1960 foram acelerados pela Conferência de Bandung (1955), onde os países do Terceiro Mundo afirmam o seu apoio ao anticolunialismo, ao não alinhamento e à Resolução n.º 1514 das Nações Unidas (1960) que reafirma o princípio da autodeterminação dos povos, independência da possível falta de preparação política, socioeconómica e cultural. Estas directivas abrem caminho a diversas conferências que culminam com a criação da Organização da Unidade Africana (OUA) na Conferência de Adis Abeba (1963). Esta organização pretende promover a a Unidade dos Estados Africanos e eliminar todas as forças de colonização na África.
A política de não-alinhamento que recusava a adesão ao bloco capitalista ou socialista nascida em Bandung e reafirmada em várias conferências internacionais, sobretudo na Conferência de Belgrado, estende-se ao mundo afro-asiático e à América Latina. No entanto, o peso das superpotências e a debilidade económica e militar da maior parte dos países terceiro-mundistas ocasionou a ingerência dos EUA, da URSS e até da China na política interna destes países. O peso dos não alinhados tem tido reflexos importantes no resultado das votações da ONU quando as grandes potências não utilizam o seu direito de veto. A África Austral manteve-se até à década de 70 sob a influência da maioria branca (Rodésia do Sul e África do Sul) e territórios não independentes (colónias portuguesas). Foi proclamada a independência unilateral em 1965 pela minoria branca chefiada por Ian Smith que adoptou uma política segregacionista para a maioria na população negra. A Grã-Bretanha e a ONU não reconhecem esta independência e são decretadas sanções económicas a que não aderem Portugal e a África do Sul.
A insurreição armada inicia-se em Angola, em 1961, com a formação de três movimentos de libertação - FNLA, MPLA e UNITA-, estende-se à Guiné-Bissau com o PAIGC e a Moçambique com a FRELIMO.
A estas insureições armadas, Salazar respondeu com a deslocação de milhares de soldados para as colónias, o que ocasionou o isolamento português a nível internacional e uma crescente oposição interna contra a guerra colonial, que vem culminar com a queda da ditadura em 25 de Abril de 1974.
BIOGRAFIA
Amílcar Cabral nasceu no Leste da Guiné, em Bafatá, a 12 de Setembro de 1924. Viveu os primeiros oito anos da sua vida entre várias localidades da Guiné , devido a varas deslocações a que os seu pai , primeiro como funcionário da Fazenda e mais tarde como professor era obrigado a fazer.
Em 1932, chegou a Cabo Verde, mas só dois anos depois, já com a idade 10 anos deu início aos seus estudos primários. No ano lectivo de 1937/1938 já se encontrava inscrito no Liceu Gil Eanes, em São Vicente, onde além de finalizar o curso com distinção, participou em actividades académicas e conheceu algumas pessoas que mais tarde, como líder do PAIGC, seriam seus “compagnons de route”. Findo o liceu, Amílcar usufruiu de uma bolsa para continuar os seus estudos universitários no Instituto Superior de Agronomia. É em Lisboa que Amílcar Cabral se haveria de formar como nacionalista. Para os jovens estudantes que chegavam de África, por volta de 1945, Lisboa constituía uma experiência que ajudava a deitar por terra muitos preconceitos. Pela primeira vez encontravam brancos na miséria, o que não acontecia em África, e logo à partida os ajudava a considerar alguns mitos sobre a superioridade dos colonos. Em Lisboa, Amílcar Cabral vai travar importantes relações de amizade com outros estudantes africanos, vindos de diferentes colónias, nomeadamente Agostinho Neto, Mário Pinto de Andrade, Noémia de Sousa ou Alda do Espírito Santo. Com este grupo, através de uma partilha de interesses comuns como a poesia, o estudo, o futebol e mais tarde, a política e a clandestinidade, tem início um processo que só acabaria décadas mais tarde com a independência das colónias portuguesas. Para a obtenção do diploma de engenheiro agrónomo Amílcar Cabral teve de realizar um estágio e elaborar um relatório final. O local escolhido foi a Estação Agronómica Nacional, em Cuba, no Alentejo.
Durante seis meses Cabral e Maria Helena Rodrigues, a sua primeira mulher, e alguns colaboradores calcorrearam todo o país e entrevistaram 2.248 agricultores, para enviar um relatório que descrevesse os processos agrícolas da província.
No princípio de 1954 o casal decidiu abandonar a Guiné. Ao longo dos últimos meses, o estado de saúde de ambos tinha-se deteriorado. Os médicos aconselharam-nos a procurar um clima menos húmido, onde a picada dos mosquitos fizesse menos estragos. Contudo, para algumas testemunhas, Amílcar Cabral foi obrigado a deixar o país a convite do governador, por se ver implicado em actividades subversivas. Foi ao autorizado a voltar periodicamente para visitar a família.
Na primeira visita, em 1956, fundou o PAI (Partido para a Independência) e mais tarde PAIGC), e na segunda, em 1959, lançou as bases para a luta armada.
Em Londres, em 1960, tomou a primeira iniciativa oficial como líder de um movimento nacionalista, ao publicar a brochura Facts about Colonialism, na qual descrevia a natureza do colonialismo português. Para tal tinha sido auxiliado pelo seu amigo Basil Davidson, escritor jornalista inglês, que acompanhou desde muito cedo o despertar africano para a independência. Para a publicação contou com o apoio de João Carciolo Cabral, da Goan League, que mais tarde passaria também a representar os interesses da FRAIN (Frente Revolucionária Africana para a Independência Nacional das Colónias Portuguesas), na capital britânica .
Em Janeiro de 1963 teve início na Guiné-Bissau a luta de libertação. As autoridades militares portuguesas esperavam a todo o momento que o grupo de guerrilheiros atacasse a fronteira com o Senegal ou com a Guiné Conacri.
Mas a revolta estalou onde há dois anos se fazia um trabalho de consciencialização popular. Nesse mesmo ano, Amílcar Cabral convocou o I Congresso, em Cassacá, a escassos quilómetros do Como, palco dos mais violentos confrontos armados entre o exército colonial e as guerrilhas africanas. Em Cassacá o PAIGC não só aperfeiçoou os mecanismos burocráticos como também discutiu abertamente algumas práticas que se tinham tornado comuns desde o início da guerra, pois alguns, vendo-se de um dia para o outro donos de um poder imenso tinham-se tornado senhores de guerra. Com a palavra de ordem “Somos militantes armados e não militaristas”, Amílcar Cabral expulsou os elementos cuja acção enfermava o “avanço da luta”.
Em 1968 com a chegada de António de Spínola à Guiné-Bissau, o partido de Amílcar Cabral começou a sofrer vários reveses. Spínola além de conseguir, graças à intensificação do esforço de guerra, um certo equilíbrio na situação militar, obteve a adesão de grandes sectores da população, nomeadamente a muçulmana (maioria religiosa no país), a qual nunca tinha tido Amílcar Cabral em boa graça, e despertou os cabo-verdianos.
Spínola conhecia os métodos de guerrilha. A sua política de contra-subversão inspirava-se nos mesmos livros que liam os revolucionários, nomeadamente o Livro Vermelho, de Mao-Tse Tung.
Spínola, militar em busca de glória, não se limitou a tentar acabar com a acção de guerrilha na área da sua jurisdição, mas através de uma ambiciosa operação militar, destruir o quartel-general do PAIGC em Conacri, prender ou matar o seu líder. O golpe foi um redondo fracasso e colocou Portugal em maus lençóis, mesmo perante os seus aliados. Três anos depois, a 20 de Janeiro de 1973, António de Spínola já não estava na Guiné e Amílcar Cabral morria em circunstâncias ainda hoje pouco esclarecidas.
Modelo teórico: modo de produção, cultura e campo?
Amílcar Cabral é talvez na África lusófona o teórico com maior capacidade de fazer política externa, ele conhece os “telhados de vidro”. Alguns dos exemplos do programa político de Amílcar Cabral tais como Educação, Cuidados Médicos, Igualdade de Direitos, podem representar o princípio da luta anti-colonial . Como podemos ver ao longo deste trabalho Amílcar Cabral deteve a sua luta através dos conhecimentos da sua cultura africana e também pela via profissional. Aliás é através desta experiência que o teórico guineense irá produzir grande parte da sua filosofia política. O historiador brasileiro Paulo Campbell afirma que é no conhecimento do universo rural que Amílcar Cabral irá vencer as grandes batalhas ideológicas. Toda a batalha deste teórico começa na terra. A sua luta irá orientar-se por três grandes elementos:
- A personalidade e cultura do povo.
- A cultura como elemento de resistência ao colonialismo .
- A descoberta dos elementos positivos na cultura africana .
José Neves caracterizou muito bem este episódio através do trinómio do modo de produção, cultura e campo . Este historiador apoiando-se na antropóloga política Benedith Anderson afirmou que o tempo de pesquisa era feito a três tempos (manhã, tarde e noite), para outro trinómio de (produção de terreno, cultivo e colheita) .
A novidade no argumento de Cabral é a relação que estabelece entre a destruição dos solos e o capitalismo, e isto derivava de algumas leituras marxistas. Os danos causados à terra, descrevia, tinha como principal culpado o regime de propriedade ou no jargão marxista, o modo de produção. Para ilustrar este ponto de vista, Amílcar Cabral criticou a transformação do Alentejo em celeiro do país, na famosa “campanha de trigo”, quando era evidente que esta região de Portugal não oferecia as melhores condições para a produção do referido cereal. Por causa do clima seco, das chuvas irregulares e da própria constituição dos solos, o rendimento do trigo no Alentejo defendia a utilização de todos os espaços disponíveis, com as planuras, as encostas e mesmo os declives. E, de facto, a campanha tinha resultado no aumento da produção. Porém, Amílcar Cabral, ao contrário do que defendia a propaganda do regime, afirmava que o seu sucesso era temporário, uma vez que estava a esgotar o terreno e longo prazo a destruição da charneca. Em última instância, Amílcar Cabral defendia que este modelo económico-agrário, relevava da desigual distribuição das terras.
Esta situação desigualdade determina assim a minha relevância para comparar este episódio da história de Édipo e da Esfinge. A adivinha resulta também na comunidade, no grupo, no tempo e na terra. É aqui que está o cerne da questão e do pensamento de Amílcar Cabral.
É aquilo a que poderíamos comparar à história da adivinha de Édipo e da esfinge: A Esfinge poder-lhe-ia perguntar qual é o animal que ao longo do dia que tem quatro patas, ao meio-dia tem duas e ao fim do dia tem três. Na história de Sófocles, Édipo responderia o homem, adivinhando. A manhã, a infância, a tarde, a adolescência e a idade adulta, e o fim da tarde, a velhice. Aqui a questão tratar-se –ia de quem seria o explorador e o explorado, quem trabalharia a terra de que forma é que a produziria. Cabral notou neste trinómio de uma comunidade vista de baixo para cima, como afirma o historiador José Neves, mas que ao mesmo tempo todo o universo rural é idêntico seja ele em Cuba ou noutro lugar, porque todo o sistema é idêntico.
José Neves ressalva aqui a originalidade do pensamento cabraliano, ao contrário de outros movimentos independentistas em que se poderiam descolonizar todas as colónias, neste caso só se poderia ver cada caso e a sua própria identidade.
É o universo filosófico que se irá definir todo o seu pensamento anti-colonialista. A sua experiência pessoal é ligada à cultura africana, depois o teórico guineense conhece muito bem a realidade agrícola dos países e será nesse campo que Amílcar Cabral irá jogar. Como vimos na sua biografia Amílcar Cabral viajou de Norte a Sul do país fazendo inquéritos a toda a população, o que fez com que ele conhecesse toda a região e anos mais tarde e lhe desse alternativas de se proteger em tempos de guerra.
Amílcar Cabral soube também, ser um excelente diplomata fazendo com que ninguém nunca soubesse de que lado ele estivesse, se da Direita ou da Esquerda, o facto de Amílcar Cabral se ligar quer a comunistas, como a outros indivíduos, mostra bem a sua enorme capacidade de se relacionar e de fazer política.
Não é só a terra que é mal distribuída, ou porque alguns detém todos os privilégios, mas porque a terra é o motivo da sua teoria e daí partirá as bases do princípio da luta de Amílcar Cabral.
Para Cabral o conceito de situação colonial é um processo histórico que abrange a distância entre a metrópole e a colónia, Paulo Campbell salienta a predominância dos actores coloniais e colonizados. Este projecto agrícola irá demarcar todo o seu pensamento político, quer através da ideia de um projecto de emancipação cultural.
De que forma é que Amílcar Cabral irá apresentar o seu projecto de independência?
Cabral entendia que a guerra servia para se forjar um “homem novo”. Portanto, todo o esforço deveria ser levado a cabo no sentido de se criarem as condições para a edificação de um Estado independente dentro do Estado colonial. Assim aparecem as zonas libertadas, em que se organizavam os Armazéns do Povo que vendiam produtos de primeira necessidade a preços mais baixos do que os estipulados pelo Governo de Bissau, foram criadas escolas, onde se leccionava com livros redigidos por elementos do PAIGC, e impressos em países que apoiavam o PAIGC, como a Suécia. Estas zonas acabaram por funcionar como laboratórios para a construção da futura nacionalidade guineense. Nelas procurava-se harmonizar as diferenças étnicas, religiosas e raciais, e sobretudo, difundia-se o crioulo que começava a ser a língua veícular, garante de entendimento no emaranhado babélico. Para isso a rádio, considerada por Amílcar Cabral como “canhão de boca do PAIGC”. Em seguido iremos fazer uma retrospectiva daquilo que falamos e de que forma Amílcar Cabral se evidenciou ao longo da sua vida.
Para Amilcar Cabral é necessário conhecer o mundo rural, reconhecendo ao mesmo tempo os territórios da sua trajectória política. O fenómeno agrícola transforma o homem, criando desta forma novas relações entre o fenómeno entre o homem e a natureza .
É esta comunhão entre a experiência agrónoma de Amílcar Cabral e científica dos inquéritos a norte a Sul do país que lhe permitiu conhecer todo o território guineense.
Amílcar Cabral irá cartografar todo o seu projecto político para a independência para Cabo Verde
Conclusões: De que forma é que Amílcar se diferenciou dos outros líderes africanos?
Para descrever um herói é necessário reconhecê-lo, desmontá-lo. É nesse sentido que é importante recordar o percurso ideológico de Amílcar Cabral. Para Cabral o conceito de situação colonial é um processo histórico que abrange a distância entre a metrópole e a colónia
Para compreendermos esse mesmo percurso há que salientar de que durante a década de 1950 o mundo bi-polar (Estados Unidos da América e URSS) determinou as mudanças políticas fundamentais no mundo afro-asiático. Esta transferência de poderes irá caracterizar a luta pela independência colonial.
Como vimos Amílcar Cabral nasceu em Bafatá (na Guiné Portuguesa) a 24 / 9/1924. O futuro teórico anti-colonialista mudou-se com a sua família para a ilha de Santiago aos 8 anos. No ano lectivo de 37/38 foi matriculado no Liceu Gil Eanes em S. Vicente onde seria distinguido como o melhor aluno do seu ano. Em 1944 concluiu o liceu com uma média de 17 valores, sendo-lhe atribuídas duas bolsas. Uma de mérito através do Liceu de Cabo Verde e a outra pela Missão dos Estudantes do Ultramar.
A Casa dos Estudantes do Império, criada em 1944 era organismo associado à Mocidade Portuguesa que gizava albergar e unir os estudantes universitários vindos das Colónias.
Amílcar Cabral acabou por ter um papel importante ao servir de plataforma associativa e cultural muito próxima do movimento estudantil anti-salazarista.
Ao longo deste trabalho vimos como a cultura e a rádio eram instrumentos de poder muito fortes. Amílcar Cabral pretendia finalizar com o colonialismo imperialista, mas também com a diferença entre pretos e brancos, ricos e pobres e exploradores e explorados. Desde cedo se deu conta dessas diferenças no seu próprio país, mais tarde em período de férias deteve-se em projectos que não seguiriam em frente, mas que no fundo seriam a semente da sua luta. A partir do programa a “Nossa Cultura” que defendia a revalorização da África, do movimento negritude, que vinha proclamando a sua cultura e identidade. Após a conclusão da sua tese de licenciatura, Cabral descobriu que Portugal e as colónias não eram assim tão diferentes no modo de trabalhar a terra, de exploração contra quem fosse, se fosse assimilado ou não. O colonizador negava o processo histórico aos povos africanos. Além de os estimular a reivindicarem as suas próprias memórias culturais, Cabral elevou esse mesmo modelo a uma estratégia de independência nacional. Num continente habituado a lidar com as manifestações da mãe natureza, Amílcar Cabral tornou-se num verdadeiro feiticeiro o qual pretendia guiar todos os grupos a se unirem num projecto descolonização, educando-os, levando-os a pensar por si mesmos coisa que até então nunca haviam feito na sua vida e era esse o projecto de consciencialização em relação ao povo, à sua cultura, o modo de produção de terra e final da produção. Que proveito terão tido esses agricultores?
Cada experiência nunca deve ser tida como perdida. Amílcar Cabral pode-se dizer que foi o único teórico português nas palavras da nossa colega de mestrado que foi o único teorizador político. A sua luta, sua marca e inteligência são fruto deste mesmo trabalho, da qual ele trouxe toda a sua experiência humana para a aplicar naquilo que ele mais ansiava: no sonho de construir um país. Soube olhar as realidades e traçar objectivos.
“Não vamos utilizar esta tribuna para dizer mal do imperialismo. Diz um ditado corrente nas nossas terras, onde o fogo é ainda um instrumento importante e um amigo traiçoeiro (…), que quando a tua palhota arde, de nada deve tocar o tam-tam”. À dimensão tri-continental, isso quer dizer que não é atirando palavras feias faladas ou escritas contra o imperialismo, qualquer que seja a sua forma é pegar vem armas e lutar”.