Mário Pinto de Andrade e o seu tempo
Mário Coelho Pinto de Andrade nasceu em Golumbgo Alto (Angola) no dia 21 de Agosto de 1928 e faleceria em Londres a 26 de Agosto de 1990. Cresceu e fez os estudos primários e secundários em Luanda. em 1948 chegou a Lisboa onde estudou Filologia Clássica na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Onde teve uma actividade cívica, intelectual e política ao lado de nomes cimeiros da intectualidade e do nacionalismo africanos e foi um dos fundadores do Centro de estudos Africanos. Já em Paris, estudou Sociologia na Sorbonne, colaborou na revista “Presence Africaine“, nos anos 50 e participu activamente na divulgação da luta do povo angolano contra a opressão colonial. É desta forma que Mário Pinto de Andrade se torna numa figura de charneira ao definir o que é literatura africana propriamente dita. Onde é que nasce o filólogo, o intelectual e o político? E de que forma a literatura pode ser um meio para atingir a sua própria nacionalidade? São questões como estas que nós tentaremos responder ao longo desre trabalho. Ao escolhermos Mário Pinto de Andrade e a sua visão da literatura africana enquanto
expressão oral tornou-se necessário para á area da história. A história e acção política deste intelectual ainda é pouco conhecida e talvez tenha sido essa a razão pela qual optei por estudar a sua história e pensamento tão ricos para a história de África. A sua própria história encontra-se dispersa em entradas, artigos, ou até pequenos excertos de obras. Optamos por isso fazer um enquandramento geral da época, disponibilizando também as razões porque Mário Pinto de Andrade apela para uma literatura africana de expressão portuguesa. Ao escolhermos, as suas ideias, decidimos reescrever muito daquilo que Michel Laban recolheu[1].
O livro deMário Pinto de Andrade, uma entrevista dada a Michel Laban acabou por ser um documento biográfico pleno de autenticidade, mas não só. Tem a virtude de ser uma memória viva e desapaixonada sobre a realidade que o circundou, sob o prisma de um sociólogo de eleição, pelo que este livro é um autêntico guião num itenerário: o percurso, o imaginário de uma geração, num texto que é mais do que o somatório de perguntas e respostas[2].
Em Paris ,através da revista Présence Africane, onde trabalhou e tomou um banho de tipografia, pois fazia um pouco detudo, Mário Pinto de Andrade teve a oportunidade de conhecer de perto e conviver com todos aqueles que escreveram, que marcaram o mundo dos anos 50. Aluno de Genvith e de Roger Bastide, contactou directamente com personalidades da estatura de Senghor que admirava, Aimé Césaire, Cheik Anta Diop, Basil Davinson, Satre e Marguerite Duras, conheceram e relançarem nas lutas contra o colonialismo português em Angola. O encontro com Franz Fanon, foi decisivo no seu retorno a África, ma stambém constituiu um estímulo intelectual que o levaria a novos desafios e ambições: inscrever o cultural no político, “(…) dar um sentimento operacional à cultura, aprofundar o pensamento que a própria praxis política era uma obra cultural por excelência. (…)[3]
A obra de Mário Pinto de Andrade inscreve-se na vertente cultural da luta pela libertação dos países africanos, uma vez que se caracteiza por uma proposa anti-colonial, tanto do ponto de vista político e social, como linguístico e literário.
Por isso estudar a vida e obra de Mário Pinto de Andrade torna-se um desafio entre a literatura e a política. Até que ponto a literatura pode consciêncilizar as massas e os grupos? Como é a literatura sendo tão metafórico nos permite dar espaço para a polémica como aquela que ainda está por fazer? Investigar a vida de um homem é também procurar os seus escritos, o que ele leu, com quem ele se deu. Por isso ao procurarmos a pessoa que foi Mário Pinto de Andrade devemos ter consciência do homem que ele foi. Para sinalizarmos o percurso biográfico seguiremos as linhas traçadas por Víctor Kalibanja apresentando sete fases da sua vida[4].
Este autor apresenta então as seguintes etapas na vida de Mário Pinto de Andrade:
1- Fase de sociabilidades primárias (1928-1948)
2- Fase da consciencialização (1948-1955)
3- Fase da grande aventura intelectual ( 1955-1959)
4- Fase da acção política activa (1959-1963)
5- Fase da entourage (1963-1974)
6- Fase do internacionalismo (1974-1980)
7- Fase do exílio para a eternidade (1980-1990)
Quando Kajibanba estabelece estes sete períodos como critérios mais significativos do percurso biográfico de Mário Pinto de Andrade, na qual passaremos a seguir devemos ter em conta de que este é apenas um modelo para o qual este autor se baseou na vida do filólogo. No ponto seguinte acreditamos ter sintetizado as sete etapas elaboradas por Kajibanba[5].
De facto na alínea seguinte não atrevemos a fazer esse mesmo caminho pois apenas julgamos citar o que demais relevante o filólogo e político fez durante a sua vida [6]. Um dos papéis mais relevantes a assinalar trata-se da sua presença na casa dos estudantes do império onde conheceu não só os seus futuros camaradas e companheiros de tantas lutas, como também foi o balão de ensaio de uma verdadeira luta contra o imperialismo. Reconhecer a política de consciencia na cultura africana é dar a Mário de Pinto de Andrade o papel maioritário na política e cultura de expressão portuguesa.
Foi não sóo Primeiro Presidente do Movimento Popular para a Libertação de de Angola (MPLA). Desde cedo se interessou pelas questões culturais do seu continente. Mário Pinto de Andrade Parte para estudar Filologia Clássica na Faculdade de Letras de Lisboa em 1948, após ter estudado cinco anos no seminário de Luanda. Ao lado de Amilcar Cabral, Eduardo Mondlane e o francês José Ternain, como figuras de charneira na redescoberta cultural africana como iremos verificar nas próximas páginas. Mas não só será este projecto que o nosso pensador irá incrementar. Em 1951 funda o Centro de Estudantes Africanos. Três anos depois o seu maior envolvimento político parte para Paris. No ano seguinte torna-se redactor da Présence Africaine e um dos organizadores do Primeiro Congresso de Escritores e Artistas Negros. Em 1958, juntamente com Viriato da Cruz representa Angola,na Primeira Conferência de Escritores Afro-Asiáticos em Tachkent (URSS). Mário Pinto de Andrade funda o MPLA. Em 1960 assume a presidência do MPLA, lugar que ocupa até 1962. Em 1963, Mário Pinto de Andrade contestou a política de alianças de Agostinho Neto, nomedamente a FDLA, que incluía elementos ligados à PIDE. Decidiu então abandonar as Relações Exteriores do MPLA. [7]
Entre 1965 a 1969 coordena a Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas (CONCP). Integra o Comité de Coordenação Política Militar do MPLA na Frente Leste no íncio dos anos 70[8].
Mas em 1970, solicitado pelo próprio Agostinho Neto, Mário Pinto de Andrade volta àactividade no MPLA, sendo colocado na Frente Leste, na Zâmbia, onde realizou um conjunto de investigações sociológicas entre os refugiados angolanos.
Durante a sua estada na Frente Leste, teve a possibilidade de verificar os graves problemas que enfermavam o MPLA, pelo qual seria desde logo uma pessoa aberta a participar na Revolta Activa. Neste contexto, em Março de 1974, a Revolta Activa contactou-o com sucesso em Paris, onde se deslocara. Mário Pinto de Andrade viajou então para o Congo, onde participou também na redacção do Apelo [9].
Mário Pinto de Andrade foi então uma das figuras mais destacadas da “revolta activa“. Na sequência do agravamento dos conflitos do interior do MPLA, Mário Pinto de Andrade parte para Guiné – Bissau. Aqui desempenhou funções de Coordenador-Geral do Conselho Nacional da Cultura (1974-1978) e Ministro da Informação Cultura.
Enquadramento histórico
A população negra das colónias portuguesas quase não lia jornais e muito menos literatura.
Os textos literários efectivamente eram lidos quase só por aqueles a que os “assimilados “tinham acesso na escolarização, sem que continuidade de leitura literária pudesse significar sequer um leitor de textos europeus. Menos se poderia pensar, nesse contexto de tamanha escassez cultural e de clara preponderância europeia, na existência de um hipotético público formado num gosto africano, que efectivamente pudesse ter acesso a textos africanos (e de todas as estéticas, línguas e povos), os pudesse ler, deles recebesse qualquer estímulo cultural e vivencial ou sobre eles pudese ter uma opinião informada e formativa, que, portanto, produzisse efeitos noutros potênciais leitores ou modificasse hábitos em leitores eventuais. Por isso, a crítica literária era inexistente enquanto actividade regular e, de algum modo, reguladora de indicações de aquisição / opção, da recepção de textos literários, de hermenêutica literária, enquanto episódica e avulsa.
A criação e circulação dos textos literários nas titubeantes instituições literárias angolana, moçambicana, cabo-verdiana, são-tomense e guienense (com a extensão europeia ou “metropolitana “relacionada com a África), a partir dos meados dos anos 40, segundo os padrões europeus era diminuta, lacunar, descontínua e improcedente. Qunato a uma perspectiva de autenticidade africana, segundo os padrões já vigentes nalgumas sociedades africanas, como a nigeriana m queniana, ganesa ou egípcia, a actividade literária podia ser vista como um mero epifenómeno de validação colonial. Quer isto dizer que vigorava a literatura colonial, nas quatro primeiras décadas do século passado, incentivava a sua produção com prémios e o reconhecimento das entidades oficiais.
Em geral, os textos literários desigandos por “cor local “versavam sobre os tema das colonização, em que as figuras dos brancos ou de negros estereotipados (estes eram vistos como seres inferiores) eram predominantes, raro surgindo uamfigura d euma africano humanizadoi, ummtema ou uma perspectiva que demonstrassem uma consideração profunda por uma realidade alheia a esquemas europeus. Nessa “literatura portuguesa de África “incluíam
–se, por vezes, certos textos que prelidiavam uma fuga ao exotismo e à superficilaidade de análise literária da realidade, como Nga mtúri de Troni, e em Angola, os poemas do complexo da cor ou do são tomense Costa-Alegre.
Essa literatura era incentivada oficialmente para funcionar como instrumento ideológico do etado colonial, sobretudpo para um público europeu (em Portugal) e colonial (os colonos e gente de permanência temporária) que demonstrasse um imaginário de aventura e mistério e acentuasse a legiitimidade da visão dominadora do império sobre o negro.
Para o colono (melhor: para os seus filhio, que de facto, podiam prosseguir os seus estudos) ou funcionário e assalariado de passagem, a literatura africana ou negra não podia interessar porque se apresentava como um corpo estranho à sua sensibilidade e compreensão. Isto porque se instituía como modo de descoberta e valorização de uma realidade desconhecida ou que impugnava o statuos quo, se esparsos, censurados e absorvidos pela caterva dos seus textos débeis, os textos mais africanizante, perdiam-se assim do seu significado de revolta e acusação. No puro sentido da vida prática, interessava aliteraturra portuguesa que representava um sentimento dealma e paixão da portugalidade espalhada pelo mundo (Camões e Camilo), a literatura qure não defraudava o espírito prgamático do trabalho e sucesso em terras a desbravar lia-se Tomás Ribeiro, Castilho). A literatura colonial serrvia para devolver ao leitor da imagem do seu papel de desbravador de terras e civilizador de gentes, reinterando-lhe a consciência de um ser de condição e estatuto superiores.
A Negritude lançou as suas raízes até aos movimentos culturais protagonizados por negros, brancos e mestiços que, desde as décqadas de 10, 20 e 30, vinham pugnado por um renascimento negro (busca e revalorização das raízes culturais africanas, crioulas e populares) principalmente em três países das Américas, Haiti, Cuba, Estados Unidos da América, mas também um pouco por todo mundo. O termo Negritude aparece no longo poema <>de Aimé Césaire, poeta da Martinica, que foi publicado na revista Voluntés, 10 (1939). A palavra passou a nomear o movimento que se desenrolava por toda a década de 30, nomedamente em Paris, cadinho de estudantes, intelectuais epolíticos que marcaram profundamente a vida política e cultural do mundo negro.
Aimé Cesaire, Leopold Sédar Senghor e Léon Damas protagonizaram , no plano da agressividade, do ecumenismo e do sarcasmo, respectivamente, todas as nuances do movimento. Foi Damas que publicou, em primeiro lugar o livro Pigments (1937). Seguir-se-ia o poema já citado de Césaire. Depois, de Senghor o artigo “Ce que l’homme noir aporte“ (1939), Chants d’ombre (1945) Hosties noires (1948), Anthologie de la nouvelle poesie nègre et malgache (1948) e, finalmente, Étiopiques (1956). A Anthologie tinha um prefácio de Jean–Peaul Sartre, intitulado « Orphée Noir‘’ que ajudou a construir a celebridade da recolha de Senghor, até por se trata de um trabalho teórico, em que o problema negro era analisado numa perspectiva marxista que despoletaria rios de tinta.
Com efeito, quando foi organizada uma antologia do género, Mário pinto de Andrade: Antologia de poesia negra de expressão portuguesa em 1958.
Mário Pinto de Andrade depressa percebeu que a antologia não poderia ser publicada em Portugal. Além disso, as influências criativas de outras culturas que noutros impérios eram acessíveis através da metrópole, também eram muito limitados no caso português. Embora houvesse muitas traduções portuguesas de literatura de outras línguas, o clima político de Portugal limitou a esfera daquilo que era aprovado. Afortunadamente para aqueles que em África apenas podiam ler português, muita literatura e textos políticos que vinham do Brasil. No entanto a limitada perspectiva do Estado Novo, acerca do que considerava cultura aceitável, impôs limites sérios na vida cultural das colónias. É verdade que mesmo em Portugal, e ainda mais nas colónias, a censura era incapaz de “limpar”completamente a literatura a que o público tinha acesso. Houve igualmente em Portugal, movimentos literários, em especial o movimento neo-realista, que lidaram frontalmente com as questões da época e que tiveram importância e repercussão nas colónias.
a atmosfera cultural da colónia era assim restrita e restritiva, apenas estremecida pela oposição portuguesa “progressista”, e não conformista, que aí vivia na época. Mas mesmo esta faixa de gente teve a maior dificuldade em remar contra o atoleiro cultural oficial, fazendo-o veladamente correndo riscos pessoais. O Estado Novo fomentou ainda a ideia que a Äfrica Portuguesa era um porto de abrigo de harmonia multi-racial, criando assim o mito da harmonia cultural no império português[10].
1 – De que falamos quando falamos de negritude?
Os fundamentos da negritude incluem a redescoberta da história e das culturas do continente africano e da diáspora negra no mundo.Contemporânea do Surrealismo (em Portugal do Neo-Realismo), usou no seu discurso a componente ideológica do pan-africanismo, já de si influenciado pelo marxismo.
Todavia, em 1939, Senghor escreveu que “a emoção é tão negra, como razão branca”e que “o ritmo é a força ordenadora que define o estilo negro”. “Começava aqui o pendor místico da Negritude em relação ao negro, considerado de uma perspectiva essencial e generalizante, que passava ao lado das especificidades sociais, económicas, políticas e nacionalistas.
Aimé Césaire, em 1950, denunciava a “inaudita traição da etnografia ocid3ental “e da desumanização progressiva em virtude da qual de futuro não haverá, não pode haver agora, senão a violência, a corrupção, a barbárie na ordem do dia da burguesia“.
Césire publicou Les armes miraculeuses (1946) e o texto completo d’un retour au pays natal (1947) com prefácio de André Breton, que o conhecera na sua passagem pela Martinica.
Os dois emblemáticos escritores da Negritude legaram-nos uma obra literária da máxima importância, mas foi Senghor que, com a presidência do seu país (Senegal), os inumeráveis escritos teóricos e uma larga aceitação ocidental (política, literária e académica), contribuiu decisivamente para a divulgação da tendência ecuménica, dialogante da Negritude.
Social e ideologicamente a Négritude constituiu-se como processo de busca e identidade, de conduta desalienatória e da defesa do património e do humanismo dos povos negros. Recusou a assimilação a modelos externos à história negro -africana, embora consciente dos contributos aculturativos, sobretudo nas cidades. A Négritude pretendia a criação um estilo próprio, no desejo de se demarcar dos modelos e motivos liuterários das literaturas ocidentais.
A poesia da Negritude distingue-se da restante literatura africana de língua portuguesa pelo obsessivo tratamento da raça e da cor negras, qualificando-as com valores reais e simbólicos, reagindo desse modo, ao racismo branco << o sangue negro, o sangue bárbaro >> (Noémia de Sousa).
A África, o negro e a mãe –Negra (Mãe –Äfrica ou Mãe –Terra) ocupam nos textos um lugar de destaque, como referências, alusões ou temas, numa declaração humanística de povos até aí apresentados e representados (na literatura colonial) como destituídos de história cultura e mesmo de sentimentos. Segundo a análise de Satre, no referido Anthologie, de Senghor, dá-se a revalorização das culturas e modos devida ancestrais (tribais, clânicos) com o culto dos antepassados, o animismo e a retrospectiva animização retórica da natureza, o pan-sexualismo vitalista, a visão eufórica e ufanista das relações sociais e familiares nas tribos e no mundo rural e natural. Ou seja, opõe-se ao mundo tecnológico e racionalista dos europeus o mundo natural e sensitivo dos africanos, num posicionamento que receberia críticas devastadoras dos homens empenhados na abertura de África ao mundo moderno, através das revoluções socialistas.
[1] Cf Michel Laban, Mário Pinto de Andrade, ed. Sä da Costa, 1997,
[2] Cf Michel Laban, op.cit, idem
[3] Cf Mário Pinto de Andrade, op.cit
[4] Cf Victor Kajibanga, “Mário Pinto de Andrade. Subsídios para o seu estudo biográfico do seu retrato social e intelectual “in Mário Pinto de Andrade, Inocência Mata (coord de) ed. Colibri, 2000, p.197
[5] Cf Kajibanba, op.cit, p197
[6] Cf Idem, ibidem
[7] Cf Fernando Tavares Pimenta, Conversas com Adolfo Maria, ed. Afrontamento, 2006, Porto, p. 116
[8] S/A “Andrade, Mário Pinto de “in Dicionário de História de Portugal, liv. Figueirinhas, 2003,
p.214
[9] Cf Fernando Tavres Pimenta, op.cit, p.116
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