Mário Pinto de Andrade ( Conclusões)
1 – De que falamos quando falamos de negritude?
Os fundamentos da negritude incluem a redescoberta da história e das culturas do continente africano e da diáspora negra no mundo.Contemporânea do Surrealismo (em Portugal do Neo-Realismo), usou no seu discurso a componente ideológica do pan-africanismo, já de si influenciado pelo marxismo. Todavia, em 1939, Senghor escreveu que “a emoção é tão negra, como razão branca”e que “o ritmo é a força ordenadora que define o estilo negro”. “Começava aqui o pendor místico da Negritude em relação ao negro, considerado de uma perspectiva essencial e generalizante, que passava ao lado das especificidades sociais, económicas, políticas e nacionalistas. Aimé Césaire, em 1950, denunciava a “inaudita traição da etnografia ocid3ental “e da desumanização progressiva em virtude da qual de futuro não haverá, não pode haver agora, senão a violência, a corrupção, a barbárie na ordem do dia da burguesia “. Césire publicou Les armes miraculeuses (1946) e o texto completo d’un retour au pays natal (1947) com prefácio de André Breton, que o conhecera na sua passagem pela Martinica. Os dois emblemáticos escritores da Negritude legaram-nos uma obra literária da máxima importância, mas foi SEnghor que, com a presidência do seu país ( Senegal ), os inumeráveis escritos teóricos e uma larga aceitação ocidental (política, literária e académica), contribuiu decisivamente para a divulgação da tendência ecuménica , dialogante da Negritude.
Social e ideologicamente a Négritude constituiu-se como processo de busca e identidade, de conduta desalienatória e da defesa do património e do humanismo dos povos negros. Recusou a assimilação a modelos externos à história negro -africana, embora consciente dos contributos aculturativos, sobretudo nas cidades. A Négritude pretendia a criação um estilo próprio, no desejo de se demarcar dos modelos e motivos liuterários das literaturas ocidentais. A poesia da Negritude distingue-se da restante literatura africana de língua portuguesa pelo obsessivo tratamento da raça e da cor negras, qualificando-as com valores reais e simbólicos, reagindo desse modo, ao racismo branco << o sangue negro, o sangue bárbaro >> (Noémia de Sousa).
A África, o negro e a mãe –Negra (Mãe –Äfrica ou Mãe –Terra) ocupam nos textos um lugar de destaque, como referências, alusões ou temas, numa declaração humanística de povos até aí apresentados e representados (na literatura colonial) como destituídos de história cultura e mesmo de sentimentos. Segundo a análise de Satre, no referido Anthologie, de Senghor, dá-se a revalorização das culturas e modos devida ancestrais (tribais, clânicos) com o culto dos antepassados, o animismo e a retrospectiva animização retórica da natureza, o pan-sexualismo vitalista, a visão eufórica e ufanista das relações sociais e familiares nas tribos e no mundo rural e natural. Ou seja, opõe-se ao mundo tecnológico e racionalista dos europeus o mundo natural e sensitivo dos africanos, num posicionamento que receberia críticas devastadoras dos homens empenhados na abertura de África ao mundo moderno, através das revoluções socialistas.
2 – A importância de se chamar Literatura negra (Combate intelectual entre Mário Pinto de Andrade e Tomé das Neves)
Note-se que a Separata de poesia de Moçambique não reflecte problemas desse tipo. É uma recolha cujo propósito não aparece ser outro se não a recolha do mesmo. O objecto em si, que é a Separata de Moçambique, parece ter outras interpretações, e tem várias certamente. Aliás o primeiro texto do boletim é uma espécie de ensaio sobre a “Literatura Negra e os seus problemas “ (pp1-3) de Mário Pinto de Andrade. O autor explica que sentiu necessidade de escrever este texto por causa de uma conferência que o Sr. Tomé das Neves pronunciou em Luanda sobre “Literatura Negra “e que o Brado Africano publicou o seu número de 23 de Dezembro de 1950. Este texto é já de si muito curioso, porque antecede aquilo dois anos depois Mário Pinto de Andrade irá escrever na Primeira Antologia de Poesia Negra de Expressão Portuguesa (1953), e em sete a segunda antologia (1958) excede em formulação de pensamento de textos posteriores. Mais do que um texto embrionário, é um esclarecimento do Sr. Dr. Tomé das Neves quanto ao que seja “literatura negra “. Para resumir, ao referido conferencista chama ignorante, e explica que << só o desconhecimento (ou talvez o conhecimento) da existência d eLangston Hugdes, Nicolázas Guillen, Sédar Senghor ou Aimé Cesaire , pode levar o Dr. Tomé das Neves afirma que o poeta negro… não descreve o que lhe vai no íntimo negro, não revela a sua “sensibilidade artística, descrevendo a sua alma negra, o sentimento negro >>. A afirmação irrita o autor. Põe mesmo a questão: “que se entende por literatura negra, e quais os seus problemas?“ Deixa a designação “negra”, propositadamente, e esclarece sobre a distinção necessária de literatura oral e literatura escrita.
Para Mário Pinto de Andrade , << Literatura verdadeiramente negra >>é a literatura oral , de “tradição gnómica e popular“: essa é <> transmitida nas línguas nativas por “arquivos humanos “salvaguardando-se que entre os da África, como os” banto “sul-africanos, porque a suas línguas são ensinadas nas escolas, existe sem dúvida um a literatura escrita não sendo já só de sabor folclórico mas especificamente nativa “- o que equivale a, penso interpretar bem o seu pensamento, afirmar a existência de uma forma escrita de literatura oral. E de imediato esclarece que a outra literatura não é só de África, mas também das Américas, o que obrigará a distinguir a literatura negro-africana e a restante.
A linha de pensamento de Mário Pinto de Andrade é clara aqui.. Literatura africana é a da cultura de tradição essencialmente oral, africana: a poesia (épica, literatura, dramática, satírica) a prosa contista (conto maravilhoso, cosmogónico, moral), a expressão proverbial, o enigma. E esta não levanta problemas. É a “outra “das Africas e das Américas, a que já é uma coisa, ainda que pouco definida, que lhe levanta várias questões, as quais centra na literatura negro-africana. Um dos problemas será “o da assimilação total ou parcial da cultura do Europeu “, de que outros derivam: “por conseguinte o conteúdo da obra e o problema da língua“. Conclui, dizendo serem questões de base de um trabalho de interpretação da expressão literária negra.
Nesta continuação, Mário Pinto de Andrade, não abandonando o tom irritado com que estava a responder ao conferencista, não mais lhe cita o nome, numa mostra subtil de altivez intelectual. Ataca a ignorância do conferencista perguntando-lhe: Será que “descrever“ a alma negra, o sentimento negro “significa o mesmo que exprimir a interioridade subjectiva do homem negro, estados de alma, naquele género poético chamado lirismo?” [2]
3 - O Problema do slogan “Vamos descobrir Angola!”
Quando Mário Pinto de Andrade deu a entrevista a Michel Laban afirmou: << Portanto, havia um lado ideológico que está presente na maneira como me referi ao movimento “Vamos descobrir Angola “>> Como teria sido feita a entrevista? Que respostas Mário Pinto de Andrade deu aLaban?
Esta confissão de Mário Pinto de Andrade foi feita dez anos depois após as refelxões expendidas por Mário António Fernandes de Oliveira. Num texto datado de 1977, Mário António que esteve ligado ao grupo de poetas que publicaram na revista Mensagem, refer que só tomou conhecimento do slogan “transformado em crisma, através da Antologia da Poesia Negra de Expressão Negra, de Mário Pinto de andrade, editada por Pierre–Jean Oswald em Paris, em 1958.
Sentindo-se cultural e socialmente europeu, o mulato sentia-se cada vez mais longe do mundo africano que via nele, por assim dizer, o estigma do pecado e tantas vezes da prostituição do negro. Negro, que entrava em choque com ele, ao constatar que, no fundo, ele era também um africano, ainda que de pele mais clara, mas que fazia o jogo do colonizador europeu. Europeu, que se sentia, de certo modo, estribando nesse mulatismo, auxiliar precioso da sua política colonial, embora socialmente, não aceitasse de bom grado a igualdade a que o mulatop fazia jus. Urgia, pois, que o mulato fizesse a opção. Isto é, que s ecolocasse definitivamente ao ladfo do opressor ou do oprimido.
O <>traduziu, quanto a nós, a opção necessária: enterrar o mulatismo, agente indirecto do colonialismo, para se enveredar pelo africanismo.
A transformação do mulatismo ou afro-europeísmo, não foi pois o seu regresso de mulato à sua personalidade básica, ao seu biotónus africano, quebrando, finalmente, a tensão que nele se havia quebrando, finalmente, a tensão que nele se havia estabelecido com apersonalidade secundária ou adulta, europeizada. Ao assumir-se como africano, ou melhor como angolano, o mulato conhecedor da psicologia europeia, colocou-se em posição de denunciar e criticar publicamente a política colonial. Incentivaria, por sua vez negros e brancos angolanos, iludidos por melíficas vozes coloniais, a despertarem de sua letárgica passividade e reclamarem seus direitos e interessses como cidadãos de Angola.
O grito do “Vamos descobrir Angola!”congregaria assim os filhos de Angola, em torno do projecto da construção de um nacionalismo autêntico que, no campo da literatura, foi assumido pelos “Novos Intelectuais“. O Movimento poético, que eles vão iniciar, partiria curiosa e sugestivamente da Associação dos Naturais de Angola (ANAN-GOLA) e da sua revista” Mensagem”. Esperemos que através deste movimento tenha surgido umaq nova forma de olhar a literatura africana de expressão portuguesa e que um estudo sistemático possa de uma certa forma contribuir para a figura de Mário Pinto de Andrade.
Conclusões
Ao escolhermos Mário Pinto de Andrade como tema de estudo, detuvemo-nos em três aspectos: a sua ligação à língua portuguesa, ao contacto social, e se bem ficou demarcado a língua é a nossa pátria.
Pode dizer-se que Mário Pinto de Andrade foi um humanista convicto que conduziu à sementeira cultural nos Cinco Países, que umdia concretizou a soleidariedade libertária na CONCP (Conferência das Organizações nacionalistas das Colónias Portuguesas), cujos frutos amadureceram: de Angola, seu país naal, a Cabo Verde e a Guiné Bissau, seus países de adopção, e a Moçambique e São Tomé e Príncipe, a sua voz de nacionalista intelectual fez-se ouvir mais do que uma vez, tenso sido o único da sua geração a realizar, por condicionalismos menos felizes, o ideal de panafricanismo de que fora promotor de uma intelleigentzia africana d elíngia portuguesa exilada em Portugal nos anos 40 e 50, ao aceitar o cargo da então recém criada República da Guiné Bissau.
Como afirma o historiador António Faria “Mário Pinto de Andrade (…), pela clareza das suas posições como político e como escritor é uma figura indispensável para o estudo e conhecimento da descolonização dos países de África que, até ao último quartel do século XX, estiveram soba administração portuguesa (…)[3]
Consciencializador e ao mesmo tempo um teórico Mário Pinto de Andrade determina-se como o fundado não só de uma literatuar especificamente africana, a oral, deitando por terra toda a literatura guardada com “bolas de naftalina “.Por iniciativa do poeta Viriato da Cruz, um grupo de assimilados de Angola fundou a revista Mensagem em 1948. Esta era dedicada à poesia em português, mas não é difícil compreender o alarme que levantou entre as autoridades. A poesia não expressava pontos de vista directamente políticos; mesmo a PIDE não iria supor que os seus autores pudessem formar uma espécie de partido político. Mas o que escreviam, atingiam tudo e todos com a sua força poética, já que era indirectamente subversiva para o conjunto da ordem estabelecida. A este respeito, a epígrafe do jornal, “Vamos descobrir Angola“, era em si um programa radical, que desafia os“assimilados“a “desassimilarem-se“, a procurar o caminho de regresso às suas origens africanas , à sua pesonalidade indígena. Opunha a ideia de uma civilização africana à ideia de uma civilização portuguesa [4].
Os poetas descreviam o drama da repressão e exploração colonial , defendendo a emanecipação imediata para o povo angolano , se necessário pela força. Mário Pinto de Andrade, poeta e um dos fundadores do movimento, atribui o redespertar das consciência destes intelectuais sobretudo pelos esforços das publicações locais.
Estes movimentos não só resumiam reinvidicações, como lhes acrescentavam uma dimensão política. “O verdadeiro poeta tornou-se um panfletário político“, escreveu Mário Pinto de Andrade. Estimulado pelos movimentos de protesto, o “assimilado”
<>e ultilizar-se-á da sua posição privleigiada para trabalhar no ressurgir de uma autêntica cultura indígena que é preservada e continuada pelas massas populares a despeito de todos os esforços dos colonizadores para a destruir.
Enquanto esta consciência se continuava a desenvolver nas colónias, um grupo de “assimilados“que estudavam em Lisboa e se debruçavam sobre a sua própria cultura. Fundaram o Centro de Estudos Africanos, que publicava poesia em português, dedicada ao novo movimneto de protesto e à nova consciência de uma cultura indígena –um estímulo mais, para o nacionalismo que ainda germinava. Mário Pinto de Andrade desenvolveu um estudo sobre alíngua Kimbundu. A criação do centro, nos anos cinquenta marcava o primeiro passo para a reafricanização das consciências e a rejeição da assimilação.
Chegados aqui, supomos já ser possível tirar qualquer conclusão no sentido de se saber se a Negritude teve ou não influência marcante no Movimento dos Novos Intelectuais. Pelo longo caminho que fizemos procuramos somente mostrar que as motivações desse Movimento literário procurava dar respostas nacionais às questões coloniais, foram muito diferentes daquelas que gizaram a Negritude
Ao caracterizar a contribuição de Mário Pinto de Andrade à historiofrafia da literatura africana, o professor Manuel Ferreira considera queMário Pinto de Andrade foi cidadão de África. Em vida, tal como escreve António Conceição Tomás, serviu-se de vários passaportes: da Guiné –Bissau, Guiné–Conacry, de Marrocos, de Cabo Verde.
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