Exmo. Sr. Luís Norberto Lourenço,
De vez em quando visito o fórum do JN, um dos locais da net onde os cidadãos podem exprimir as suas opiniões com a possibilidade de resposta dos leitores.
Partilho integralmente as ideias que expôs de forma clara e escorreita no seu texto que por o considerar lapidar o citei em epígrafe, com a sua devida vénia.
Na verdade a extinção das bibliotecas itinerantes da Gulbenkian foi um acto irresponsável, eu diria até criminoso. As bibliotecas itinerantes eram a única forma de muitas localidades da província – aldeias e mesmo algumas vilas – terem acesso à leitura. Era o livro que ia ao encontro de muitas pessoas que agora sem tal apelo se restringem à televisão a outros passatempos menos enriquecedores.
Dada a distância que separa Lisboa do local onde resido não se torna praticável ir assistir aos espectáculos de bailado, musicais ou outros proporcionados pela Fundação Gulbenkian, mas isso não me impede de reconhecer o papel insubstituível da Fundação na oferta cultural do país. Estou convencido de que as coisas não vão ficar por aqui, e que as próximas vítimas bem poderão ser o Coro e a Orquestra Gulbenkian, ficando a instituição que o benemérito Calouste Sarkis Gulbenkian doou a Portugal reduzida a dois espaços museológicos (Museu Gulbenkian e Centro de Arte Moderna), uma sala para exposições temporárias e dois auditórios para espectáculos (o grande e o pequeno), afinal de contas, uma espécie de CCB. O que está a acontecer é muito mau porque além de empobrecer a oferta cultural, constitui um péssimo exemplo para outras entidades que viam na Fundação Gulbenkian uma referência de qualidade e um exemplo a seguir no caminho da excelência. Não podia estar mais de acordo consigo quando diz que as infelizes decisões que vem sendo tomadas representam um ataque infame ao legado do fundador Calouste Gulbenkian e - acrescento eu - à obra e à memória de José de Azeredo Perdigão e de sua esposa D. Madalena de Azeredo Perdigão que se empenharam como nenhuns outros no prestígio e no engrandecimento do nome da instituição. O problema da Fundação Gulbenkian é ser uma entidade que lida com muito dinheiro e, por isso, suscita apetites vorazes a certos indivíduos que não descansam enquanto não arranjam um tacho na administração. Foi o caso do gestor bancário Rui Vilar e da ex-governante Teresa Gouveia. Refira-se, a talhe de foice, que foi quando Teresa Gouveia ocupou o cargo de secretária de Estado da Cultura que foram extintas as orquestras sinfónicas da RDP de Lisboa e do Porto as quais também já tinham várias décadas de existência. Não deixa de ser curioso que Rui Vilar, actual presidente do conselho de administração, foi ele próprio beneficiário de uma bolsa de estudos da Gulbenkian. Fazendo ironia, não há dúvida que Rui Vilar escolheu a melhor forma de exprimir a sua gratidão à instituição sem a qual não teria provavelmente alcançado o lugar que agora ocupa. O papel cultural modelar da Gulbenkian deixou de estar em primeiro plano porque para esta gente o importante é que a fundação lhes garanta bons empregos e que ao mesmo tempo possam passar a utilizar os activos patrimoniais e financeiros da instituição para favorecer as clientelas e capelinhas ditas culturais, de forma idêntica ao costuma ser feito pelo Ministério da Cultura. Enfim, tal gente não descansou enquanto não introduziu numa instituição que estava acima da mediocridade os mesmos vícios e defeitos que são próprios da governação e da administração pública e que tanto tem prejudicado o nosso desenvolvimento. Como é que este país pode ser considerado civilizado quando as suas elites tem atitudes próprias do Terceiro Mundo? Comportamentos destes nunca seriam possíveis em países civilizados como uma França, uma Alemanha ou uma Grã-Gretanha. Nestes países as orquestras e as companhias de bailado são centenárias porque os decisores tem consciência que o nome e o prestígio dessas instituições é capital que não se pode desperdiçar. Mesmo que alguns dirigentes desses países caíssem na tentação de extinguir companhias de bailado ou orquestras, a opinião pública não o permitiria. Por cá a opinião pública é o que se sabe e, por isso mesmo, as arbitrariedades mais inconcebíveis vão-se sucedendo sem que daí advenham quaisquer consequências para os responsáveis.
Soube-se agora que o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa pretende encetar negociações com a administração da Fundação Gulbenkian para que o Ballet Gulbenkian fique sob a alçada do município em moldes semelhantes à Orquestra Metropolitana de Lisboa. A ideia até parecia boa, mau grado o oportunismo político agora que se aproximam as eleições autárquicas, mas na verdade o município não é a entidade mais indicada para garantir um futuro promissor e tranquilo a uma companhia de bailado. É conhecida a forma desastrosa que tem pautado os executivos camarários na gestão dos dinheiros públicos com o desperdício de maquias avultadas em projectos megalómanos de o que o Parque Mayer e o túnel do Marquês de Pombal são os exemplos mais visíveis, ao mesmo tempo que se assiste à falta de verbas em várias áreas de vital importância para os munícipes. Aliás, o que se passou com a Orquestra Metropolitana há cerca de um ano comprova esta minha apreensão. O ideal seria a companhia continuar na dependência da Gulbenkian, nem que para tal fossem feitos os reajustamentos considerados necessários. Não sei se o caro Sr. Luís Lourenço é advogado ou se tem formação jurídica na área do direito que regula as fundações, mas talvez seja viável interpor uma providência cautelar a fim de tornar nula a decisão da administração com o argumento de que estão a ser violados os estatutos da fundação, ou pelo menos, a vontade expressa pelo fundador. É o mínimo que se pode fazer pela memória de alguém a quem Portugal muito deve.
É com tristeza que constato que a Fundação Gulbenkian passou a sofrer de um dos males maiores de que o país padece: a incompetência e a inépcia de muito boa gente que é nomeada para cargos de decisão nos mais diversos sectores do Estado não por possuírem mérito e perfil adequado mas por razões outras que vão da afinidade partidária à tradicional cunha para familiares, amigos e compadres. Entre os muitos casos que podiam ser apontados, cito o caso da RDP-Antena 1, uma rádio que já foi uma referência de serviço público mas que nos últimos anos de serviço público passou a ter muito pouco. A situação é mais gritante no que respeita à música portuguesa de qualidade que foi praticamente banida de uma rádio que se passou a reger pelas famigeradas ‘playlists’ que, como diz Pedro Barroso no seu manifesto (http://www.pedrobarroso.com/manifesto.htm), nada mais são que uma forma de censura. Os poucos programas de autor que valorizam a boa música portuguesa foram relegados para horários indignos e impraticáveis, passando os horários mais nobres a ser ocupados ora por ‘boys’ (“jobs for the boys”) ora por alinhamentos musicais de música descartável, a mesma que passa na generalidade das outras rádios. Entre os programas marginalizados destaco o aclamado “Lugar ao Sul”, de Rafael Correia, que foi chutado - pasme-se - para as 07:00 da manhã de sábado. Não duvido que tal medida seja uma primeiro passo para a extinção do programa, uma vez que naquele horário muitos dos ouvintes não o poderão ouvir e assim com uma audiência residual será mais fácil acabar com ele sem provocar grande contestação do auditório. Com o propósito de evitar que tal crime de lesa-cultura venha a ser cometido, eu próprio e outros fieis ouvintes do programa tomámos a iniciativa de mobilizar o maior número de pessoas no sentido de se empenharem na defesa do programa. Acaso o Sr. Luís Lourenço seja ouvinte do “Lugar ao Sul” e ou amante da boa música portuguesa mormente a de inspiração tradicional, tomo a liberdade de o convidar a juntar-se à nossa campanha. Nesse sentido enviar-lhe-ei nos próximos dias um mail intitulado “Serviço público de rádio” que tenho vindo a difundir na net.
Com os melhores cumprimentos,
Álvaro José Ferreira
*Comentário enviado por "e-mail" pelo autor, comentando o meu artigo de opinião (também aqui publicado) intitulado:
"Fundação Calouste Gulbenkian extingue Ballet. Próximo episódio: FUNDAÇÃO EXTINGUE-SE"