fanzine Tertuliando (On-line)

Este "blog" é a versão "on-line" da fanzine "Tertuliando", publicada pela Casa Comum das Tertúlias. Aqui serão publicados: artigos de opinião, as conclusões/reflexões das nossas actividades: tertúlias, exposições, concertos, declamação de poesia, comunidades de leitores, cursos livres, apresentação de livros, de revistas, de fanzines... Fundador e Director: Luís Norberto Lourenço. Local: Castelo Branco. Desde 5 de Outubro de 2005. ISSN: 1646-7922 (versão impressa)

segunda-feira, outubro 26, 2009

Poema de António Salvado

Beber nos olhos o reflexo leve 
leve que seja da palavra quente 
que uns lábios escreveram sobre o peito

Pôr na tristeza     quando os gomos secam 
o sorriso que um dia brotará 
arbusto abandonado que floriu 

Fios de linho     recital sereno 
a dobadoira lentamente agindo 
envolvendo efusivos o calor

E encontrar na suspeita o desejado 
o desejo alargado     inesperado 
e o afago do bem cheio de cor.

António Salvado
In “Utere Felix” (Castelo Branco: Belgaia, 1990)

[Versão castelhana, por Luís Norberto Lourenço]


Beber en los ojos el reflejo leve 
leve que sea de la palabra caliente 
que unos labios escribieron sobre el pecho

Poner en la tristeza     cuando los brotes secan 
la sonrisa que un día brotará 
arbusto abandonado que floriu 

Hilos de lino     recital sereno 
la devanadera lentamente obrando 
envolviendo efusivos el calor

Y encontrar en la sospecha el deseado 
el deseo alargado     inesperado 
y el halago del bien lleno de color.

António Salvado
In “Utere Felix” (Castelo Branco: Belgaia, 1990)

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quarta-feira, outubro 21, 2009

Dicionário Terminológico – voltar à vaca fria*

Agora que as águas estão mais calmas, no que concerne a questões de linguística, surge-nos de chofre o Novo Programa de Português (NPP). Poderíamos pensar que estaríamos descansados em relação à arqui-designada TLEBS (Terminologia Linguística para o Ensino Básico e Secundário), porém, para quem não sabe, o NPP traz à colação o Dicionário terminológico, nova designação para a tal terminologia linguística.
Se concluirmos (o que pode ser refutável) que o NPP em pouco acrescenta ou altera os Programas de Língua Portuguesa dos três ciclos, ficamos com a impressão – quiçá errada – de que o novo programa está ao serviço do Dicionário Terminológico (convém referir que a versão online, do Ministério da Educação, se encontra em http://www.dgidc.min-edu.pt/linguaportuguesa/Paginas/DT.aspx e que existe já uma edição em papel, não oficial e distinta da organização da versão do ME, editada pela Plátano Editora, de Isabel Casanova, intitulada Dicionário Terminológico, compreender a TLEBS). Se assim for, há razão para nos alertarmos e até preocuparmos. Seria, a ser verdade, uma forma pouco deontológica de impor uma verdade que, até ver, carece de consenso. Até agora não está provado que a nova gramática seja um benefício pedagógico para os alunos: a complexidade terminológica e a distinção quase subtil de conceitos gramaticais surgem como um impedimento a uma assimilação de conceitos que, na gramática tradicional, não se poriam. Nessa gramática, não só não se esmiuçavam certas noções, como havia uma margem, ao critério dos professores (ainda que com certa base científica), para a ressalva de incongruências possíveis ou zonas de ambiguidade. Com a nova terminologia, toda a linguagem metalinguística se torna complexa, surgindo novas zonas de ambiguidade mais delicadas ou que, ao que parece, implicam a sua dose de relativismo.
Saliente-se que foram vários os protestos contra a TLEBS, surgidos essencialmente em 2006. Desde Eduardo Prado Coelho a Saramago, passando por Maria Alzira Seixo ou Manuel Gusmão (que escreveu o excelente artigo “Uma triste Vocação para o Desastre”, sobre essa matéria – Expresso, 27 de Janeiro de 2007), várias foram as vozes críticas e discordantes. Passou-se a ideia de que havia, para além de critérios académicos, interesses económicos e particulares associados à implantação dessa nova terminologia.
Recordo aqui algumas palavras da cronista Helena Matos, do jornal Público: “O monstro chama-se TLEBS. Para memória futura convém defini-lo desde já como o maior contributo dado por Portugal para a iliteracia das gerações futuras (11 de Novembro de 2006)” e “Podemos discutir interminavelmente as vantagens e desvantagens da nova terminologia. Pessoalmente considero-a confusa, desadequada e prolixa. Pode objectar-se que a terminologia substituída pela TLEBS padecia dos mesmos defeitos. Em alguns casos sim, mas em grau muitíssimo menor (18 de Novembro de 2006)”. Num ponto – até porque a cronista não pode provar certas afirmações – Helena Matos está certíssima: a TLEBS (agora Dicionário Terminológico) é prolixa. Implica imensas noções para explicitar uma, tende a favorecer a minudência, é sumptuosa nas evidências. Mas isto são sinais dos tempos, num tempo em que os professores são triturados nas pilhas de papéis que também eles criaram, ou em que se concebem reuniões por matérias vácuas.
Desfolhando o Dicionário Terminológico de Isabel Casanova ao acaso, paro na página 50, onde encontro a entrada “Assassínio linguístico”. Diz a referência: “Diz-se da morte linguística causada por uma língua politicamente dominante”. Ora, não será mesmo disto que se fala, quando se fala de nova terminologia? De uma espécie de Novi-língua de Orwell? Estaremos assim tão perto daquele 1984?

António Jacinto Pascoal

Professor

*Texto enviado por António Jacinto Pascoal.


NOTA:

Este artigo foi publicado hoje, a 08/11/2009, no jornal diário português "Público".

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terça-feira, outubro 20, 2009

Os princípios da Neo-língua*

Os princípios da Neo-língua

A Neo-língua é a língua oficial da Lusitânia e foi concebida para satisfazer as necessidades ideológicas do Luseduc ou Ensino Oficial e Particular Português. No ano de 2009 ainda não há ninguém que use a Neo-língua como exclusivo meio de comunicação, quer oralmente quer por escrito. Os artigos de fundo do Mineduc, por vezes transcritos no Diarep, vêm redigidos em Neo-língua, mas isso constitui uma façanha inefável, só podendo ser levado a cabo por especialistas. Espera-se que a Neo-língua destrone o Português-padrão, por volta do ano 2070.

O propósito da Neo-língua pretende não apenas proporcionar um meio de expressão para a visão do mundo e os hábitos mentais específicos dos usuários do Luseduc, mas também tornar impossíveis todas as formas de pensamento. Pretende-se que, quando a Neo-língua for definitivamente adoptada e o Português-padrão cair em esquecimento, todo o pensamento herético – isto é, qualquer pensamento divergente dos princípios do Luseduc – se torne literalmente impensável, pelo menos na medida em que o pensamento depende da palavra.

O vocabulário da Neo-língua é construído de modo a exprimir com exactidão, e muitas vezes com grande subtileza, qualquer sentido que um funcionário sob dependência do Mineduc possa querer exprimir, excluindo, ao mesmo tempo, todos os outros sentidos, e também a possibilidade de chegar a eles por meios indirectos.

A Neo-língua baseia-se na língua portuguesa tal como hoje a conhecemos, embora as suas preposições se tornem obsoletas. Ao contrário, o vocabulário da Neo-língua enriquece-se de formas verbais quase exclusivamente usadas no modo infinitivo. As palavras da Neo-língua dividem-se em três categorias distintas, conhecidas como vocabulário A, vocabulário B e vocabulário C.

O vocabulário A, de todo imprescindível, é constituído quase exclusivamente por verbos no modo infinitivo. A maioria deles implica a promoção e apreensão de matérias e acções. Enumera-se, a título de exemplo, alguns: promover, sensibilizar, proporcionar, facultar, garantir, facilitar, permitir, motivar, desenvolver, incentivar. Ressalve-se, contudo, que o conceito de “permissão” se restringe àquilo que é facultado, não devendo ser tido em conta o carácter evasivo da palavra, restringindo-se assim a sua semanticidade.

O vocabulário B, fundamental, pode considerar-se de difícil apreensão, porém, a sua perfeita utilização facilitará ao respectivo falante a exactidão dos seus propósitos nas determinadas situações de comunicação. Note-se que a Neo-língua foi concebida não para aumentar, mas para restringir o campo do pensamento, propósito indirectamente servido pela redução ao mínimo da gama de palavras e pela distinção exacta entre palavras de semanticidade próxima. Reduzindo-se o leque de palavras, pôde aumentar-se um pouco o número de ocorrências de sinónimos-falsos (considera-se que se tratam de falsos sinónimos os vocábulos que, tendo um significado semelhante, se distinguem por nuances decisivas). Algumas dessas palavras são as seguintes: conteúdos (apenas concebidos a partir de orientações programáticas), temas, semas, objectos, programas, currículos, projectos, ideários, objectivos, metas, prioridades, fins, intuitos, finalidades, propósitos, intenções, desígnios, intentos, vontades (tome-se este último termo no sentido pragmático, devendo ser esvaziado do carácter autonómico que era usual no Português-padrão).

O vocabulário C, basilar, compõe-se integralmente de palavras-chave e siglas que dizem respeito às particularidades fundamentais da Pedac (acção pedagógica) e que, nalguns casos, podem surgir no vocabulário B: PEI, PE, PCT, EE, PIT, AP, EA, Projecto (palavra que deve ser usada sempre com maiúscula e que, em certos casos, pode ser substituída pela forma uniforme PROJ, sempre maiusculizada), recursos, actividade (também substituível por ACTV), planificação, avaliação (substituível pela forma SOM), competência (ou COMPT), estatística, prestação de serviço, relação contratual, descritores (ou DSCRT), evidência, desempenho, articulação, currículo (ou CURRI), recurso.

A palavra pensamento deixa de existir na Neo-língua, sendo substituída por um verbo (usado no modo infinitivo) que é exaurido de conotação autotélica e individual, devendo estabelecer uma prioridade colectiva. Assim, pensamento, palavra usada no velho Português-padrão, é substituída por planificação ou, somente, PLANIF. Nesse caso, o falante, querendo ainda vincar a sua identidade, poderá dizer – o que é socialmente aceitável – euPLANIF, ou preferencialmente MimPLANIF, que, no velho Português-padrão, se entende literalmente por “tive uma ideia”, “este é o meu raciocínio”, “cheguei a esta conclusão”.

O vocabulário da Neo-língua, no seu todo, destina-se a impor uma atitude mental desejável a quem o utiliza, reduzindo as possibilidades de refutação e livre-pensamento. Por atitude mental desejável entenda-se a incapacidade para ter ideias próprias, e, por outro lado, as competências para o preenchimento de guidelines.

António Jacinto Pascoal

(Professor)

*Texto enviado pelo nosso amigo e colaborador tertuliano António Jacinto Pascoal.

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terça-feira, outubro 13, 2009

Xenofobia pelos olhos duma criança

O poema cantado por Rafael Amor “Não me chames estrangeiro” foi por mim tratado numa aula de Formação Cívica, lido e comentado pelos alunos, há um comentário que merece ser divulgado, é da Bárbara Guedes, de 11 anos:

Acho que é um poema sentimental. Relata bem porque é que não se deve discriminar os outros, por serem de outra cor, raça ou pobres.
Eu acho que nunca o fiz, porque não gostava que me fizessem a mim.
Acho que às vezes quando estamos irritados com uma pessoa aproveitamo-nos disso mas sabemos que temos que pedir sempre “desculpa”.
A xenofobia é só um contexto para descarregarmos nos outros, porque por vezes temos problemas em casa, na escola ou queremos mostrar-nos superiores em frente aos outros.


A seguir transcrevemos uma versão portuguesa do poema:

Não me chames estrangeiro [No me llames extranjero]

Não me chames estrangeiro, só porque nasci muito longe
ou porque tem outro nome essa terra donde venho.
Não me chames estrangeiro porque foi diferente o seio
ou porque ouvi na infância outros contos noutras línguas.
Não me chames estrangeiro se no amor de uma mãe
tivemos a mesma luz nesse canto e nesse beijo
com que nos sonham iguais nossas mães contra o seu peito.
Não me chames estrangeiro, nem perguntes donde venho;
é melhor saber onde vamos e onde nos leva o tempo.
Não me chames estrangeiro, porque o teu pão e o teu fogo
me acalmam a fome e o frio e me convida o teu tecto.
Não me chames estrangeiro; teu trigo é como o meu trigo,
tua mão é como a minha, o teu fogo como o meu fogo,
e a fome nunca avisa: vive a mudar de dono.

E chamas-me tu estrangeiro porque um caminho me trouxe,
porque nasci noutra terra, porque conheço outros mares,l
e parti, um dia, de outro porto...
mas são sempre, sempre iguais os lenços da despedida
iguais as pupilas sem brilho dos que deixámos lá longe,
os amigos que nos chamam, e também iguais os beijos
e o amor dessa que sonha com o dia do regresso.
Não me chames estrangeiro; trazemos o mesmo grito,
o mesmo cansaço velho
que sempre arrastou o homem
desde fundos tempos,
quando não havia fronteiras,
e antes de virem esses, que dividem e que matam,
os que roubam, os que mentem,
os que vendem nossos sonhos
os que inventaram um dia esta palavra: estrangeiro.

Não me chames estrangeiro, que é uma palavra triste,
que é uma palavra gelada, e que cheira a esquecimento
e cheira também a desterro.
Não me chames estrangeiro: olha o teu filho e o meu
como correm de mãos dadas, até ao fim do caminho.
Não me chames estrangeiro: eles não sabem línguas,
de limites nem bandeiras; olha como sobem ao céu
no riso que é uma pomba que os reúne no voo.
Não me chames estrangeiro; vê teu irmão e o meu,
o corpo cheio de balas, beijando o solo de morte;
eles não eram estrangeiros, conheciam-se desde sempre,
pela eterna liberdade, e livres os dois morreram.
Não me chames estrangeiro; olha-me nos olhos
muito para lá do ódio, do egoísmo e do medo,
e verás que sou um homem, não posso ser estrangeiro.

RAFAEL AMOR

Mais:

Versão cantada, aqui.

Versão original, aqui

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sexta-feira, outubro 09, 2009

Hacia adentro


Desde que tengo noción de la historia de mi país, Puerto Rico, me he dado cuenta de ese sentido de búsqueda de una identidad por parte de mis compatriotas. Nuestra isla, que en un tiempo bastante remoto y del cual casi no quedan rastros, fue una libre de opresión aunque no de ataques a sus pobladores. Los indios, como de forma equivocada nombraron a sus pobladores, tenían un estilo de vida muy sencillo, pero a la misma vez acoplado y de libre respeto por ellos mismos y su entorno. Luego llegan las nuevas razas conquistando y a su vez enriqueciendo la cultura de un país que ya más nunca ha sabido verse plenamente en libertad. Privados de la libertad desde finales del siglo XV, comienza esa lucha interna y externa por lograr un sitial... un ideal... menospreciándose así mismo por culpa de un pasado histórico del cual no tuvimos control, ni elección... Pero tampoco valorando esa riqueza tan valiosa que es nuestra diversidad cultural que viene arrastrándose por siglos y siglos desde los comienzos de la Tierra.

Hacia adentro

Oscuridad y luz,
Lloro y alegría.

Voy mirando hacia adentro.
Allí, donde solo yo encuentro mi verdad.

En una esquina Dios,
en la otra lo que soy.

Luces y tinieblas,
Pasado y presente,

una mezcla de razas

que enriquecen mi sangre.

De allí donde el sol quema la piel

y del frío campo donde nace el café;
donde el mar se vuelve vida

y la montaña el querer

de ese pequeño terruño
es quebrota mi ser.

De una libertad que fue privada,
del suicidio en masa,

de una sangre ñáñiga,

de los rones y las danzas...
Del feudalismo y las cruzadas,

de los turcos y el circo romano,

de Aristóteles, Sócrates y Platón...

de Zeus, Gea y Afrodita,

de Alá, Jehovah y el Amor...

De allí, donde en un principio

el Espíritu revoloteaba por las aguas

y las tinieblas eran la luz de la Tierra...

Donde el Eterno era lo único existente...

De ahí surge esta vida

que es una pequeña parte

de Aquél que vive sin tiempo.



Joanna Muñoz (1978- )

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