fanzine Tertuliando (On-line)

Este "blog" é a versão "on-line" da fanzine "Tertuliando", publicada pela Casa Comum das Tertúlias. Aqui serão publicados: artigos de opinião, as conclusões/reflexões das nossas actividades: tertúlias, exposições, concertos, declamação de poesia, comunidades de leitores, cursos livres, apresentação de livros, de revistas, de fanzines... Fundador e Director: Luís Norberto Lourenço. Local: Castelo Branco. Desde 5 de Outubro de 2005. ISSN: 1646-7922 (versão impressa)

quinta-feira, junho 23, 2005

Comunicado

A Casa Comum das Tertúlias (CCT) torna público que deixará de ter uma sede fixa (em Penamacor) – dez meses decorridos da inauguração da sede da CCT – voltando à itinerância. A sedentarização tem vantagens e tem desvantagens, também a itinerância tem prós e contra, temos sabido aproveitar (de que fazem prova documentada as mais de 120 iniciativas, os 25 espaços onde agimos culturalmente, as 9 localidades que nos acolheram e os mais de 700 participantes nas nossas actividades) as duas formas de estar na vida cultural, assim, tendo temporariamente (definitivamente?) acabado o sonho de termos uma sede própria, voltaremos à itinerância, voltando aos muitos espaços que tão bem nos acolheram e acontecerá tertúlia em novos que estão prontos a receber o espírito tertuliano.
Este facto (o esboroar do sonho duma sede) decorre dum facto do foro privado (se bem que já do domínio público) e ao qual é alheio o proprietário, fundador e organizador da CCT. A casa onde se situa a sede da CCT (ambas do mesmo proprietário) irá ser brevemente vendida, deixando a CCT a sua actual sede e também Penamacor, regressando de malas e bagagens a Castelo Branco (donde, verdadeiramente, nunca saímos) onde nasceu em 5 de Outubro de 2001.
Fazemos saber que desde a passada semana existe em todos os nossos blogs contadores. Se não vivemos obcecados com a quantidade de participantes nas iniciativas, antes a qualidade dos mesmos, se não nos preocupa muito que milhares visitem os blogs, já que não queremos chamar a atenção para nós à custa de imagens chocantes, de linguagem obscena ou da polémica pela polémica. No entanto, é interessante saber quantos nos visitam, daí os contadores. Acrescente-se que mais actualizações foram feitas nos últimos dias, com poesia de vários autores, artigos de opinião e notícias tertulianas.
A CCT é um espaço plural (onde todos cabem, bastando saber respeitar o Outro), de reflexão (activa, i. é, que leva à acção), democrático, de Cidadania e intervenção: cultural, política (de cariz apartidária, não apolítica, porque defendemos uma sociedade politizada, i. é, esclarecida, por vezes, a aversão à política, tende a confundir uma sociedade partidarizada e/ou tribalizada com uma sociedade politizada) e social.
Por isso, nas nossas actividades a entrada é livre, sempre e quando os tertulianos respeitem a opinião dos outros e não se apresentem em estado manifestamente alterado. Nascemos para a promoção, difusão e a criação cultural, a defesa duma cultura de qualidade, não exclusivamente erudita nem popular.
Nascemos para dar oportunidade e espaço àqueles que os museus e as galerias de arte não arriscam em apostar, porque são estreantes, porque não tem ligações no meio artístico… dar voz a todos os que não querem que a sua intervenção se fique pela via partidária ou simplesmente não a trilham.
Por outras palavras, porque o nosso espaço de intervenção prima pela defesa duma cidadania plena e por uma cultura de qualidade, a promoção duma informação e formação diversificada e de qualidade, tudo o que seja organizado pela CCT promoverá esses princípios fundadores (não revogáveis… não está previsto!).
Por um Interior com Futuro. Por uma Beira Baixa dos nossos afectos. Por uma cultura de Democracia com princípios e de que não abrimos mão, contra o populismo e demagogia, contra uma “flexibilização ética”. Por uma ética republicana.
Luís Norberto Lourenço
(organizador, fundador e proprietário da CCT)
Castelo Branco, 20 de Junho de 2005
P.S. e-mail:

quinta-feira, junho 09, 2005

As Nuvens Choram

Eu na minha imaginação
acho que as nuvens
choram.


E eu digo isto
Porque quando
chove as nuvens
choram com tristeza
que veem da guerra
do mundo.


Se a guerra
acabasse as
nuvens nunca
mais choravam
iriam ficar
Para sempre
com um sorriso
na cara e assim
Todo o mundo
iria ficar mais contente.


É assim o meu sonho sobre
as nuvens.


Tânia Marisa Trindade Gouveia

12 anos
Folgosa do Salvador (Seia)

quarta-feira, junho 08, 2005

FINALE*

O preço da verdade é elevado
porque só pode ser coincidente com
a própria coisa

poder-se-ia agora construir de novo
uma espécie de escala de valores
poder-se-ia recomeçar

devíamos passar pelo medo da morte
para nos libertarmos definitivamente
das linguagens indefinidas que nos
ensinaram
essas formas de dizer e não dizer certas coisas
essas formas de nos basearmos em palavras
de classe média

não estamos condenados à mentira
temos alguma liberdade de escolha
mas na maior parte do tempo a escolha é entre
a mentira e outra forma de não falarmos verdade

depois do holocausto toda a mentira é uma ingenuidade
é apenas algo que em nós
colabora com a individualidade

devíamos passar pelo amor ou pela morte de um filho
para nos libertarmos finalmente das nossas
queixas
essas formas de incomodarmos os outros
com a lamentação inútil
com a defesa própria

que costume o de morrer sem termos sido
verdadeiramente humanos
sem termos tido na boca as palavras certas
porque isso é o que os outros esperam de nós
esperam que os reconheçamos
e é aí que os outros começam

devíamos passar pela dor mais inumana
para podermos então ser humanos
para nos relacionarmos com os outros sem intermediários
sem símbolos
sem palavras de classe média
para nos relacionarmos com a realidade
para aspirarmos a conhecer verdadeiramente alguma pessoa.


António Jacinto Pascoal

*Poema publicado no livro "Cello Concerto".

GIGA*

Isso recorda-nos que somos filhos
e que somos amados e que
não queremos recomeçar o mal
embora criemos outras razões para
não nos rendermos totalmente ao amor

mas isso recorda-nos que as mulheres
são capazes de tudo se sentirem que nós
queremos tudo
isso recorda-nos que há mulheres
que têm uma capacidade de fazer
todos os sacrifícios pelo amor

elas são capazes de tudo se sentirem
que nós queremos tudo
e nós devemos sentir essa vitalidade
contida que se prepara para uma grande
modificação: que não há nenhuma
verdadeira saída para o amor
das mulheres.


António Jacinto Pascoal

*Poema publicado no livro "Cello Concerto".

BOURRÉE I*

Tenho três filhas
e cada uma evoca a minha capacidade
de fazer sacrifícios pelo amor
como as mulheres
cada uma sabe de cor uma parte minha
e fala uma língua diferente

eu sentia que via com nitidez o amor
e que elas me voltavam a pôr dentro
da vida

tenho três filhas
e elas têm algum controlo sobre mim
e eu não queria ficar selado
eu queria ver o mundo inteiro por causa
do amor
porque os outros começam aí

os outros começam exactamente
quando os amamos
quando deixamos de sentir a nossa dor
e de ficar concentrados em nós mesmos

eu tenho três filhas
e levo a sério esse aviso
porque é o aviso da vida que me lembra
o que é ser humano.


António Jacinto Pascoal

*Poema publicado no livro "Cello Concerto".

EM RESUMO*

Quem cala consente
é um modo de levares a vidinha
com o lume apagado
sem alvoroço nem crateras
a água ao teu moinho
que é o do sossego
o travo de raiva esse nem se escuta
e em esperares por dentro
e em seres a cor do luto
ganhas mais com menos luta.

António Jacinto Pascoal

*Ainda do mesmo livro...
Se o meu caro amigo e colega Pascoal não dedicou este poema a ninguém, permita-me a ousadia de o dedicar eu:
a) A TODOS OS QUE USUFRUEM DA LUTAS QUE OUTROS TRAVAM POR TODOS;
b) A UNS CERTOS POLÍTICOS DO MEU PAÍS;
c) A UNS CERTOS MILITANTES PARTIDÁRIOS;
d) A TODOS OS QUE SE REVIREM NO POEMA.

CABE AO POETA*

«o poeta procura a palavra que minta»
Pedro Tamen

«… se puede escribir un libro,
o una canción.
O mentir directamente.»
Patxi Andion

Cabe ao poeta
dormir sobre o assunto
ou não fazer absolutamente nada.
Cabe ao poeta
dizer o contrário dos outros
trocar as voltas ao povo.
Cabe ao poeta dizer
um de nós está a mentir
bater a porta e sair.

António Jacinto Pascoal

*Poema publicado no mesmo livro que o anterior.

AMOR CONJUGAL*

Não me perguntes como
mas veio-me agora uma vontade grande
de te amar
quando olho o relógio nunca são horas para o amor
e chego muitas vezes mais tarde
mas chego amor
chego quando parece que um dilúvio de silêncio
se interpôs entre os dois
e chego quando já a rotina consolidou o seu espaço
e chego para voltar a reclamar-te
como aquela que vi a primeira vez
dirás que venho outra vez para não durar
ou para mentir-te por um instante
mas acredita que não há uma mentira definitiva
pois definitivo sou só tu e eu
desencontrados
e cada vez que chego para te amar
estou a mentir-te com as palavras mais graves que tenho
e não podes fugir a essa realidade
chego quando chego
desprogramado e informado e generoso
e quero que saibas que afortunadamente
ainda não encontrei o promontório da felicidade
nem a calma dos séculos
tens-me como uma necessidade imprevisível
mas chego de tempos a tempos
e sofro com a tua ausência.

António Jacinto Pascoal

*Poema publicado em "Terceiro Livro", a quem foi atribuído o Prémio Nacional de Poesia Guerra Junqueiro em 1999 (e que já vencera em 1995), editado pela Câmara Municipal de Freixo de Espada à Cinta (promotora do prémio), em 2003.

ESTE VENTO*

Sem ti
sou apenas este vento
que investe contra
as árvores
e as desfolha longamente
muito antes do Outono.

Gonçalo Salvado

*Poema publicado em "Vento/Viento: Sombra de Vozes/Sombra de Voces. (Antologia de Poesia Ibérica)", editado por CELYA, em 2004.

SERENÁLIA*

Quero-te assim na ternura indelével das folhas
dos abetos, incólume à perversão dos bichos
eivada da pureza das areias alvas. Retenho-te
ainda, flor suave reclinada no meu peito ao
latejar incontido do coração galopante, batendo
ávido pela claridade do teu sorriso meigo.
Revelar-te-ás assim serena envolta na bruma
do carinho que te invade penetrante a seiva
fervente trazendo no olhar o mar calmo
preguiçoso e azul. É nesse abraço que te sinto
os cabelos de nuvens revoltas e te acaricio
desvanecido com ternura.

Ribeiro Lourinho

*Poema publicado em "Marés de Ternura", editado pela "A Mar Arte", dum poeta meu amigo (se bem que pouco poética nos últimos anos, que desculpe a homenagem).