fanzine Tertuliando (On-line)

Este "blog" é a versão "on-line" da fanzine "Tertuliando", publicada pela Casa Comum das Tertúlias. Aqui serão publicados: artigos de opinião, as conclusões/reflexões das nossas actividades: tertúlias, exposições, concertos, declamação de poesia, comunidades de leitores, cursos livres, apresentação de livros, de revistas, de fanzines... Fundador e Director: Luís Norberto Lourenço. Local: Castelo Branco. Desde 5 de Outubro de 2005. ISSN: 1646-7922 (versão impressa)

terça-feira, junho 15, 2010

Uma viagem à Mesopotâmia*

Hoje vamos fazer uma viagem, mas não é uma viagem qualquer. É uma viagem aos sentidos, das palavras , da magia dos cheiros que estão por trás de cada ingrediente esconde uma recordação da nossa infância. O objectivo desta viagem é revelar a história de um banquete mesopotâmico descrevendo todos os passos desde o momento da confecção na cozinha onde existe uma enorme azáfama nos preparativos deste afamado banquete. Para este povo comer e beber é um acto político, místico e sagrado. Um banquete era uma demonstração de hospitalidade, exigia-se uma organização antecipada uma rígida etiqueta que devia ser respeitada. Recebia-se o convidado com palavras amistosas actos de afecto, abraços e beijos, oferecendo-se água para lavar as mãos, óleos perfumados e roupas limpas. Quando estavam acomodados em cadeiras em redor de pequenas mesas, iniciava-se o banquete. Os empregados traziam bandejas com iguarias finamente regadas com muita cerveja e muito vinho. Antes da sobremesa fazia-se um brinde antes de se iniciar um espectáculo que anunciava saltibancos, bailarinas e músicos.
A civilização assíria exercia para Emília um enorme fascínio e profissionais como cozinheiros, padeiros, cervejeiros, não eram personagens comuns. Ao contrário da maioria das pessoas que encontra em romances de cavalaria, a nossa amiga, a bonequinha de pano inventada por Monteiro Lobato quis conhecer a história da cozinha da Mesopotâmia. Para Emília descobrir a língua e a escrita feita por este povo era uma forma de criar a sua imaginação diante de formas onde as palavras deviam ser proferidas quando fossem necessárias, é que ali as terrenos eram diferentes de outras terras. Para poder encontrar nesse reino encantado da arqueologia, das tábuas cuneiformes onde estavam incluídas os tesouros das receitas que um velho senhor lhe havia deixado.
- O que está a fazer? –perguntou o velho investigador quando a viu guardar uma pequena tábua de argila.
- Vim aqui porque queria pedir-lhe um favor, o meu marido o rabicó, um porco que tem uma fome deste mundo e do outro decidiu viajar no tempo quis ir a um desses banquetes e desapareceu, tenho a sensação de que ele foi comido numa dessas recepções e eu queria saber o que se passou nesse jantar , pensei que estivesse o relato nesta tábua.
- Estamos perante uma assirióloga de trapo? –perguntou o investigador em tom irónico.
- Conta-me uma história–disse ela então.
O investigador sabia das manhas da Emília, aquela bonequinha era astuta e sabia sempre o que fazer. Queria saber o que se passara com o seu esposo o marquês de Rabicó. Emília tinha a certeza de que o seu porquinho fora vítima de uma armadilha e enviado para um dos palácios, imaginava-o já a esguinchar, a esvair-se em sangue e a ser preparado para um grande banquete, segundo os livros que lera sobre o assunto dizia-se na mesopotâmia o porco era um animal sujo, mas que era várias vezes consumido. Para saber tudo isso ela estava ali para saber que género de ossos devia procurar para os destinguir dos restantes ossos de animais, já que aquele senhor que ali estava era arqueólogo. No fundo eles são um pouco como os médicos legistas. Ela procurava então novas pistas saber o que acontecera ao seu esposo, mas o arqueólogo perguntou-lhe então:
- Que história queres que te conte? –perguntei o investigador olhando para os ossos de porco.
- Queres então saber como eram os hábitos alimentares desse mesmo povo, queres então provar que num dos banquetes eles comeram os porcos e processá-los. Minha cara Emília vais ter que ir para esse período.
- Por isso te pedi para me contares uma história que fosse eu a protagonista. O arqueólogo já estava a ficar cansado com os delírios da bonequinha de pano. Aquilo era demais .Como se não bastasse ela havia dito a Narizinho e Pedrinho que ela era a protagonista de uma nova história onde o seu pai o escritor Monteiro Lobato estava a escrever sobre ela e a morte do seu esposo Rabicó.
- OH, Emília não podias ter pensado noutra coisa se não numa morte? –perguntou Narizinho.
- Eu quero escrever romances policiais como a esposa do arquéologo Artur Max malloman, a senhora Agatha Cristie eu tenho falado com ela na sua casa de Verão no Iraque. Estão–me a contar como é que eles comiam, eles até me mostraram receitas com mais de cinco mil anos, muitas delas estão conservadas em museus. Acreditam que eles conhecem mais de 100 espécies de pães e outras tantas quantidades de cerveja?
Para ouvir toda aquela história Narizinho e Pedrinho recuaram talvez uns cinco milhares de anos, ali estavam homens que comiam pão e bebiam cerveja com uma palhinha. As crianças quiseram beber aquela bebida.
_ Não podem estar aqui, disse a taberneira, para além do mais estas bebidas são para os adultos.
Emília disse que era uma senhora. A taberneira começou-se a rir e disse:
- Minha querida, você só será senhora daqui por muitos anos porque nesta altura só pode ser a deusa Inana, a deusa do amor e da guerra, só pode estar...
- É verdade, disse a bonequinha, por tanto pode dar-nos um daqueles sumos a mim e aos meus empregados...
- Emília! Não posso acreditar! Sua mentirosa!
A taberneira olhou-a e disse interrompendo a bonequinha:
- Sabe que a mentira pode ser punida aqui! Não sei de que país vocês vivem....
Se quiserem beber alguma coisa bebam um refresco granizado feito com gelo das montanhas. O que querem beber, sumo de uvas, tâmaras ou romãs? Mas a menina...!

Agatha Cristie apareceu naquele momento. Apresentando-se:
- Muito boa tarde! Meninos, vamos embora!
- Peço desculpa, mas não sei de que país vêem. Devem ser quê? Hititas! Aqui as mulheres não podem aqui entrar! Até uma boneca por amor de Samash, o que é que se passa aqui? Não conhecem as leis? As senhoras podem ser até queimadas... e eu sabe-se lá o que pode acontecer...
- Mas a senhora é uma mulher, muito metida por sinal!
- Emily, estar a passar da marca! A menina não conhecer a culture de um país, portanta não poder julgar, understand? –disse Agatha Cristie. O que iam beber afinal? Posso beber um sumo de uvas com eles, então senhora? Quanto é? Peço desculpa a minha aluna é muito egoísta!

Agatha Cristie começou por explicar que estavam na Mesopotâmia. O local onde hoje é o Iraque. Ali as mulheres eram completamente diferentes dos homens e as tabernas eram um local de rituais onde não permitiam a presença de mulheres. Aquele país era diferente onde viviam. Variava de acordo com a região, a norte as montanhas eram cobertas de neve no inverno, enquanto no sul , nas margens do Golfo Pérsico o calor era permanente. Em média nota-se uma variação das estações, predominando um verão rigoroso de maio a novembro. Este país é rico em recursos naturais. A flora é variável: pinheiros, carvalhos, nogueiras, ao norte, palmeiras, ao sul .Poderemos ver ainda a vinha aclimatada na Assíria. A agricultura, a criação de gado, a indústria e comércio, eram as actividades económicas.
Emília interrompeu as explicações da escritora enquanto bebiam um sumo de uvas granizado com gelo.
- Então?A indústria não apareceu no século XIX?
- Darling, Are You mind? Não se diz aparecer , mas surgir. Quem aparece é uma pessoa. Quando se diz indústria é num outro sentido , não naquele que nos conhecemos. A agricultura era a mais importante das actividades económicas. Os principais produtos agrícolas eram a cevada, cuja a medida servia moeda, o sésamo , do qual se extraía o óleo e a palmeira cuja utilidade era variadíssima. A vinha e a figueira eram igualmente cultivadas ao lado de outras plantas usadas na indústria. Indústria, tomem atenção crianças um outro sentido, não comecem a escrever romances de história alternativa. Reparem como este povo era inteligente usavam técnicas muito avançadas para a época em questão .Foram os Sumérios que criaram o primeiro sistema de refrigeração, muito parecido com os granizados que bebemos nos cafés .Eram extraídos do gelo das montanhas.
Depois seguiram caminho pelos campos onde viram uma enorme diversidade de animais entre os quais, as vacas, burros e cavalos. Assim que viu um grupo de pessoas ali a trabalhar Emília retirou de um dos bolsos uns ossos que tinha consigo. Agatha Crystie ficou abismada .
- O que é que aquele cromo de pano vai fazer? –perguntou a escritora inglesa às crianças .
- Ah, ela é assim!- disseram Narizinho e Emília.
- Ando à procura do meu marido. Viram-no? –perguntou Emília a um grupo de homens que iam para as vinhas das montanhas trabalhar. Os grupos traziam uvas que iam ser colocadas num lagar e posteriormente ia ser prensado. A bonequinha quis saber todo o processo da operação, pouco tempo depois ficou a saber que ali perto havia um templo onde iam decorrer umas cerimónias consagradas ao deus Samash.
- Viram o meu marido?
- Quem é a senhora?
- Marquesa de Rabicó, e este, disse apontando para os ossos que tinha nas mãos era o meu marido.
- Desculpe lá, se sabe que isso é o seu marido, porque nos pergunta?
- Porque queria falar com a pessoa que falou com ele a última vez.
- Emily, quantas vezes não disse para não sair da margem do rio. Que criaturinha desancantadora!
- Eu tenho convite!
A escritora agradeceu a amabilidade dos trabalhadores do palácio e foram recebidos por um grupo de pessoas que os recebeu, abraçou e levou-os a lavar as mãos. Naquele país havia um ditado popular “não se podia comer com as mãos sujas “ e tudo aquilo fazia sentido. Antes dali chegarem a escritora deu-lhes algumas indicações. Começaram por dizer que eram uma família abastada estava para apresentação do novo rei. A escritora disse logo que eles deviam retirar todos os objectos que dessem muito nas vistas. Emília quis vestir-se como uma deusa. Usando um toucado contendo uma tiara de cornamentas com um alarga túnica de volantes. A escritora estava a perder a paciência. Porque toda aquela imprudência ia sair-lhes caro.
Pedrinho vestiu uma larga túnica de linho com flancos na parte de baixo que cobriam a parte de baixo, calçou ainda umas sandálias, usou ainda um gorro pontiagudo.
-Oba! Genial! –disse o menino.
- Ainda falta mais uma coisa, disse a escritora. Um bastão, e ainda uns colares umas braceletes ornamentados em metais preciosos. A escritora inglesa escolheu uma túnica larga para esconder a sua obesidade, mais drapeada que cozida caíam aos pés, escolheu um véu, e a velha senhora aconselhou Narizinho a usar também um. A menina escolheu também uma túnica simples idêntica à da escritora. Ambas escolheram sapatos, bastante leves de tecidos diferentes que se adornavam consoante de apliques artísticos. Voltou-se para Emília e ordenou que uma aia lhe retirasse todas aquelas roupas.
- Quer ser comparada a uma escrava? Por favor não queira ser uma
- heroína que não lhe fica nada bem, estamos aqui de
- férias não queira ser uma fonte de problemas, porque se não... é comparada a uma sacerdotisa de Isthar...
As aias que as ajudavam começaram a rir-se. O olhar altivo da escritora fê-las calar.
- Vamos lá encontrarmo-nos com esses nossos amigos de infância. A escritora olhou para as crianças do Sítio e disse-lhes:
- Preparem-se! Vamos visitar a Mesopotâmia! Vou contar-lhes como é que os Sumérios e os Assírios comiam. Emily, onde está?
Agatha Cristie andava com muita dificuldade, suando por todos os lados. A escritora sorria ironicamente para todas as pessoas que a olhavam. Num quintal onde passaram lá estava Emília a falar com dois insectos que as crianças identificaram ser besouros, os seus agentes secretos. Lá estava mostrando o osso minúsculo dando-lhes indicações para falarem com cabras e carneiros.
Foram visitando algumas casas onde as pessoas os receberam muito bem e foram-lhes explicando como cozinhavam os alimentos .Através de água e fogo era um ponto essencial a tornar os alimentos mais saborosos e constituía uma verdadeira revolução. O recurso à águia fazia com que a cozedura fosse mais fosse mais fácil de controlar toda a operação e que lhe desse ao mesmo tempo um verdadeiro valor nutritivo e ainda adicionavam gordura e algumas especiarias. Este povo consagravam alguns alimentos aos deuses, especialmente a carne que a consumiam cerca de 6 vezes ao ano. Nas suas casas não haviam salas dedicadas ao comer como hoje temos, disse a escritora quando uma senhora lhes mostrou não só como eles comiam, em liteiras e colocavam as bandejas no chão .Há um dado curioso eles não tinham uma hora certa para comer. Faziam-no sempre que queriam., disse uma senhora que ali estava a mostrar-lhes os diversos locais.Quanto aos outros grupos sociais eles apenas se sentam de pernas cruzadas e punham as liteias junto ao chão.
- O que comem, então? Não têm doces? Comem carne ou peixe?
- Vamos por partes , disse a dona da casa. A base da nossa alimentação centra-se em cereais ,no trigo e milho da qual fabricamos nas nossas casas, pão e cerveja, há também uma torta plana, e ainda trituramos e transformamos esses grãos em bebidas. Comemos ainda cebolas, pepinos e hortaliças.
Emília interrompeu então a senhora:
- Pelo amor de Deus! Isso deve dar cá um hálito! Ah! Que horror! Deve ser para se protegerem dos vampiros.
A senhora ficou atónita. Não percebia do que estavam a falar e que deus seria aquele que a bonequinha estava a falar? Foi então a vez de Narizinho comentar:
- Mas hoje em dia há pessoas que as comem, cebola, alho...
A escritora olhou-os a todos e remediou a situação dizendo:
- Tudo isso não passa de uma história literária de um romance, mas quem consume cebolas e alhos também fica prevenido de várias doenças e melhora sem dúvida a circulação sanguínea. Vamos ouvir o que esta senhora tem para nos dizer ou não crianças?
A senhora agradeceu e continuou as suas explicações. Passaram então a falar do pescado. O peixe era muito apreciado pelos mesopotâmicos. Era também acessível a todas as bolsas. Para além do peixe, as aves de curral eram também apetecíveis pela sua carne e os seus ovos.
Emília a bonequinha de trapo aproximou-se para ouvir aquela história já que se tratava de uma novidade. Agatha Cristie disse que podiam resolver o problema do marquês de Rabicó procurando especialistas da área como os professores Kátia Paim Pozzer, Jean Bottero e ainda António Ramos dos Santos. Tal como acontece nos contos de fadas, todos eles entraram na floresta de barro onde haviam ilustrações de banquetes, jantares que eram apresentados através da arte. Naquele lugar apareceu um senhor de idade avançada que nos convidou a sentar e jantar com ele. Antes de começarmos a comer ele disse-nos que devíamos lavar as mãos. Entraram então uma senhora que lavasse as mãos e preparasse: Nada de mãos sujos! Os nossos amigos sumérios já tinham hábitos de higiene! E essa máxima livrou-os de grandes problemas...
Emília gritou. Olhou-nos a todos como se fosse um detective das histórias de Agatha Cristie e disse:
- Já sei o que aconteceu! A senhora também sabe! Escreveu imensas histórias parecidas a esta!
- Darling! É de ver mesmo uma boneca casada com um porco com sangue real é que é mesmo irreal! –disse Agatha Crystie a rir. Já estou a imaginar o título” a mulher de trapos à procura do seu porco legítimo “Ah ! Ah! Desculpar isto não é normal! Emily, nunca se deve interromper quem está a falar! É falta de educação! Já estou a perder a paciência consigo!
Emília sorria e não ligava nada ao que a escritora estava a dizer. Aparecia e desapareciam com letras e algarismos em acádico e sumério que chamou a atenção do assiriólogo. Aquela bonequinha conseguia ser por vezes incoveniente! Todos olharam-na com verdadeiro ar de desagrado à excepção do sumérologo francês.
- Permitam-me que fale, a vossa amiga foi buscar alguns termos que eu estudei para explicar a ordem das palavras como comida, água, sopa que podem ter diversos significados e a sua própria explicação está nas suas próprias imagens A cozinha mesopotâmica é verdadeiramente sedutora. Eles tinham uma cozinha sacrificial onde dedicavam bois e ovelhas aos deuses como forma de lhes prestar culto.
- Senhor Jean, existem contos literários sobre a alimentação? –perguntou Narizinho.
- Claro que sim, todos os seus hábitos dão um melhor conhecimento sobre a sua cultura e estratificação social. Podemos até extrair desses contos explicações plausíveis pela própria geografia, e outras histórias dos cereais, até dos animais que foram domesticados. O que fazia parte da dieta alimentar ou então sobre o aparecimento do homem. Num desses textos há duas divindades protectoras dos alimentos onde a origem vegetal e animal. Nesse texto chamado Asnan contra Lahar. Estamos num outro plano. Há animais de pequeno e médio porte, como suínos ou porcos. Emília aproveitou a oportunidade para mostrar um osso de porco que tinha nas mãos mostrando-o ao arqueólogo .Emília prontificou-se a apresentar a sua tese de que o osso que tinha nas suas mãos era o seu marido o Marquês de Rabicó. Pouco depois o historiador francês olhou-a e fez-se um grande silêncio. Foi então que ele transmitiu a sua grande revelação:
- Emille, ma petite poupée, esse é um osso muito recente. De facto trata-se de um osso de um porco, mas daí a reconhecer que ele seja o seu marido... Marido? Mas é tão novinha!
- Mas eu sou uma senhora!!!
Todos olharam a boneca de trapos.
- Emília! Estás a passar das marcas!-disse Narizinho.
- Não se preocupe , disse o historiador. Já vamos descobrir esse segredo, está bem? – disse ele piscando-nos o olho.
- Como vimos, esse consumo leva-nos a descobrir como aves à excepção das galinhas que chegaram tardiamente na Assíria.
- Que animais de caça consumiam o povo mesopotâmico? –perguntou Pedrinho.
- Boa observação, já vi que gosta de desportos de caça! Temos muitos peixes de água doce e salgada como crustáceos, mariscos e insectos como os gafanhotos.
Todos se olharam.
- Que nojo!-gritou Emília. Vou criar a Associação de Protecção aos Gafanhotos . Como é que os vamos ouvir cantar?- perguntou Emília.
O historiador começou a rir:
-Mas é claro que sim! Nos banquetes com a barriga a dar horas. Vamos continuar? Há ainda conhecimento de que eles produziam leite, manteiga, gorduras vegetais (sésamo e azeite) e ainda produtos minerais e cinzas.
- Cinzas? – voltou a perguntar.
- Petit Popée, você devia ser júri. Tem uma curiosidade e um poder de observação muito forte .É normal que as pessoas reajam assim ,tratam-se de cinco mil anos de diferenças. Hoje em dia olhamos para o passado, mas para os historiadores e os arqueólogos vivem as informações de uma forma diferente.
Ah! Agatha Cristie não a reconheci, desculpe–me! Como está o seu marido? –perguntou o historiador.
- Bem, estamos aqui no Iraque numas escavações, ele descobriu um palácio umas placas que descrevem a inauguração do palácio de Kallah. Estamos a investigar todos os pormenores, entretanto conhecemos estes amigos brasileiros .Já ouviram falar do rei Assur-nar-sir-pal II? Há um relato da inauguração de um palácio que nos conta a par e passo o que se passou durante dez dias. As festas, as roupas que deram aos convidados.
- Ah! O palácio, a sua inauguração. Tantas saudades das investigações, a história da recepção, das boas maneiras.
Jean Bótero sorria para Emília , dizendo-lhe:
- Petite poupée, o problema da sua história está resolvida! Nós podemos ir ao palácio do rei gafanhoto! Ele também pode ser músico
Agatha Cristie tentou em vão dissuadir Emília das suas observações mirabolantes. O investigador indicou-nos então uma jovem assirióloga brasileira: Kátia Maria Paim Pozzer. Jean Bottero disse-nos então que a jovem tem se dedicado a fazer uma investigação na área da história da alimentação. O investigador estava fascinado com Emília. Ela lembrava-lhe algumas histórias mitológicas que ele traduzira durante anos. As crianças, Emília e a escritora optaram então por viajar para o Brasil. Lá estava a investigadora à espera deles.
- Oi o meu nome é Kátia. Em que vos posso ser útil?
Nós viemos do País da Cozinha mesopotâmica. Decidimos falar consigo. Kátia cumprimentou as crianças, Emília e a escritora inglesa. Enquanto falavam Emília retirou da sua arca algumas imagens de baixos relevos, cilindros selos e de outras formas de arte onde se vislumbravam homens e mulheres a beberem cerveja. A historiadora disse-lhes então que eram imagens do fabrico e do própria cerveja. A cerveja era a bebia mais popular e antiga! Todos os dias eram enviados dois litros de farinha para a fabricação da cerveja, não só teriam que saber as suas diferenças, como aquelas que eram de primeira qualidade, como os diferentes ingredientes ,ou os diferentes tipos de cereais. Tais como a escana a chamada triticum dicccum usada para fazer pão e cerveja, ainda era conhecido a triticum monoccum. O centeio e a aveia não era cultivado no médio oriente. Além disso usavam uma palhinha para evitar que fossem absorvidos alguns grãos. A historiadora explicou-lhes que haviam alguns textos referentes à embreaguez. A cerveja era servida em vasilhas cuja a sua qualidade variava com a sua posição económica dos seus utilizadores, quer em actos sociais, bodas de casamentos, baptizados e funerais. A bebida e a comida gozavam de uma enorme estima e amizade. Além disso foi através do comércio externo de que os mesopotâmicos necessitavam de importar alguns alimentos. Os sumérios faziam outras iguarias que eram consumidos em ocasiões especiais. Além disso ainda comiam carneiros, cordeiros, lebres, patos e gansos. Já os babilónicos consumiam um enorme variedade de frutas entre elas as maçãs ,pêras, tâmaras, uvas, figos e romãs. a hortelã, o alecrim e coentro e até usavam algumas aromáticas como hoje usamos a canela. Como adoçantes tinham o mel e açúcar de tâmara e misturavam óleo das sementes de gergelim, azeite e linhaça. Consumiam uma torta de ave com tempero de pequenas colheres de sal deixando-as numa panela. Bem estou a ver que estão com fome. Não querem comer nada? Uma comida típica desta região .Só assim podemos conhecer melhor a cultura mesopotâmica. Naquele instante apareceram alguns produtos alimentares à frente do grupo. Ninguém parecia acreditar no que estava a ouvir .Apenas Emília que havia dito Faz de Conta.
- Estou encantado convosco. Chamo-me Rolo de Sebetu.
- Muito prazer -disseram as crianças.
- Eu sou feito a partir de azeite ,farinha, sal, água, leite e dente de alho e cebolinha, mas só a parte branca. Depois disso o forno aqueceu-me e deu-me esta cor dourada!
- Oba! Até parece que esteve na praia de havianas de bermudas, óculos de sol, tomando água de coco. – gritou Emília correndo atrás do rolinho. Este vendo que tinha a vida por um fio não teve outra alternativa se não fugir. A torta de ave surgiu meio tímida. Com muito medo. Começou a chorar:
- Há um porco que me que me quer comer! Posso esconder-me? Eu estou quase a morrer!!!
- Como é que se chama? –perguntou a escritora.
- Sou uma torta de ave e havia um homem que se dizia marquês. Eu pensei que ele fosse diferente de todos os outros animais e tentou comer-me...
- Que horror! De onde é que ele era? –perguntou novamente a escritora.
- Do Brasil, de uma fazenda. Ele dizia que o queriam por num forno. Eu tive pena dele e lembrei-me de tudo o que sofri. Lembrei-me da panela com água a ferver, quando me abriram, depois quando me puseram todos aqueles ingredientes como leite, banha e alguns temperos. Não consegui escapar à sua sedução. Calculei que fosse alguém muito poderoso. Não encontrei nada sobre aquele marquês.
Naquele instante estava resolvido o segredo do desaparecimento de Rabicó. Só alguém como ele é que fazia todos aqueles disparates degustativos. Rabicó apareceu a frente de todos com uma dor de estômago.
- Ah! – disseram as crianças. A Emília queria era ve-lo assado. Kátia trouxe uma erva aromática chamada hisopo. Disse-lhe:
- Tome isto, Rabicó!. È bom para as suas dores.
- Está a ver Rabicó. Você acha que o mundo acaba hoje, daí que tenha essas dores... Agradeça à Doutora Kátia – disse Narizinho.
- Obrigado, Doutora Kátia, disse Rabicó.
- Rabicó, você vai me jurar que não vai voltar a fazer besteiras. Está me ouvindo? Eu vou ficar muito zangada, se continuar a fazer estas tropelias. Ouviu? – disse ela dando-lhe um beijo no rosto.
Rabicó corou.
- Oh! O que foi Rabicó? –perguntou Pedrinho.
- È que ninguém m e trata assim. Ninguém me vê com bons olhos.
- Conte Rabicó, disse a escritora como se estivesse ela na pele de Miss Marple pronta para ouvir uma cuscuvilhice.
- Acho que estás a ser injusto Rabicó! Todos nós tratamos com respeito!-disse Narizinho triste.
- Neste país todas as pessoas me acharam porco, mau, sujo, e não hesitavam em fazer-me o prato principal.
- Sabem uma coisa? Eu li as vossas histórias e estou muito por feliz estar aqui convosco. Por isso temos aqui um jantar à vossa espera. Com tudo aquilo a que tem direito. Venham comigo, disse a historiadora. Vou-lhes mostrar uma coisa. Há muita coisa por saber. Entraram numa sala onde o porco corria como uma criança para se ver nas imagens.
- Nada disso. Temos aqui uma base de dados, sobre a alimentação, textos mitológicos, alimentos e ingredientes importantes. Há uma equipa de trabalho em filologia. Há muita coisa a fazer...
- È verdade, disse a escritora. Na maioria dos casos é através da alimentação que podemos ver o comportamento das pessoas. Mas é ainda através da arqueologia e da botânica.
- Por exemplo descobrimos através da arqueologia uma espécie de manual de cervejaria onde são indicados cerca de 50 espécies diferentes de cervejas. A cerveja era uma bebida consumida quer por ricos e pobres. Há ainda um pormenor que nos indica os benefícios da cerveja é que ela é também medicional. Narizinho prontificou-se a comentar:
- Já viram Rabicó a beber para resolver os problemas de digestão?
- Estão a falar do meu marido!-ripostou Emília.
- Então crianças! Não estão na vossa casa! São convidados, disse a escritora.
- Vamos então comer? –perguntou Kátia. Não estão com fome? Há uma salada deliciosa. Salada de récula com camarões.
- Já que estamos a falar de comida. Quais eram as técnicas de conservação dos alimentos? –perguntou Pedrinho.
- Os alimentos podiam ser secos ao sol tais como os cereais, legumes e frutas. A carne e o peixe eram defumados, mas podia ainda ser conservados em sal e em azeite. A salmoura era um outro desse tipo de conservação. Temos exemplos como os peixes, os crustáceos e os gafanhotos. Podemos assim chegar às fontes para estudarmos através do Sumerian Lexicon num catálogo bilíngue em 2 colunas de todas os componentes materiais, repartidos por 24 placas com rubricas. Há relativamente pouco tempo apareceram 2 receitas como Pão de Mel mas isso vamos descobrir depois de comermos esta deliciosa salada.
- Como é que eram os fornos da Suméria? –perguntou Rabicó preparando-se para tirar mais um pouco da salada de récula com camarões.
- Estou a ver que estão muito interessados nesta matéria.
- Só de ouvir essa palavra ele até fica a tremer, não é Rabicó? Não é para se proteger se voltar à Mesopotâmia.
Rabicó olhou em redor. Lembrou-se da altura em que os cozinheiros eram artistas e havia uma enorme variedade de partos.
- Eu sei que ainda há muita coisa para esclarecer, mas meu meninos. Vamos ter que agradecer este maravilhoso jantar à Doutora Kátia.
Naquele instante Emília saiu da sala. Chegou perto da historiadora e fez-lhe um pedido:
-Posso guardar um gafanhoto? Quero fazer um Museu.
A seguir foi até a uma sala e retirou um telemóvel:
- Estou sim, O meu nome é Emília de Rabicó! Será possível falar com o senhor Dexter?
- Sim, está a falar com ele.
- Tenho uma confissão a fazer. Há aqui no Brasil um criminoso que não foi apanhado. Ele é o marquês de Rabicó. Vou-lhe enviar todas as imagens e relatórios completos sobre ele...
Emília imaginava a morte de Rabicó desde o primeiro minuto.
- Emília? –perguntou uma voz masculino.
A boneca de trapos tremeu. Era Dexter.
- Parece que quer perder a sua voz. Você é que a criminosa. Nada me daria maior prazer em retirar-lhe a sua voz. Já não a consigo ouvir mais.
A máscara da escritora estava ali caída no chão. Desde o princípio o médico legista estava com eles. Emília era um elemento a abater.
- Ninguém vai dar pela sua voz. É só retirar as pastilhas do Doutor Caramujo. Serás uma boneca como tantas outras...

* Texto apresentado no Jantar Cultural em 18.10.2008 no Café Experimental