fanzine Tertuliando (On-line)

Este "blog" é a versão "on-line" da fanzine "Tertuliando", publicada pela Casa Comum das Tertúlias. Aqui serão publicados: artigos de opinião, as conclusões/reflexões das nossas actividades: tertúlias, exposições, concertos, declamação de poesia, comunidades de leitores, cursos livres, apresentação de livros, de revistas, de fanzines... Fundador e Director: Luís Norberto Lourenço. Local: Castelo Branco. Desde 5 de Outubro de 2005. ISSN: 1646-7922 (versão impressa)

terça-feira, março 30, 2010

Estudar a cozinha Mesopotâmia _ aceitam-se apostas

Estudar uma forma de culto diária,torna-se tão interessante como identificar a verdadeira face de um assassino em série. Actualmente a investigação histórica volta-se para outro campo, o do quotidiano repetitivo. Olhemos então para o objecto de estudo em questão: a alimentação. Caminha-se para o passado com técnicas sofisticadas para o caso que temos em mãos . Para este caso junte-se um grupo de técnicas capazes de se chegar até ao pensamento de um determinado povo e ao período histórico em questão. A história que vos propomos necessita de métodos de investigação próximos ao de um médico legista que encontra vários vestígios silenciosos e tenta chegar a uma conclusão crível e bem fundamentada. Chegamos ao momento em que temos dois campos de análise: a história e as técnicas recentes usadas para chegar a um determinado consenso.
Há proximidades entre a ciência histórica e a medicina legal. Se no princípio de uma investigação o médico recolhe determinados vestígios de cabelos, saliva ou outros elementos da vítima, a História utiliza as descobertas da Arqueologia para chegar a algumas conclusões. Tentar perceber quais os gestos do quotidiano. Um trabalho muito idêntico ao do médico legista que a partir de fragmentos tenta também recriar o quotidiano da vítima.
É nesse campo, dos vestígios que os habitantes do passado nos deixaram que se insere a nossa investigação sobre a alimentação.
Recuemos no tempo. O homem é um animal de hábitos, recusa aproximar-se de uma novidade até que alguém lhe garanta que esse uso o beneficie e traga não só o sucesso, como bem-estar. Poderíamos começar por traçar aqui o retrato robot da sociedade que procuramos investigar.

Se necessitamos de todas as provas para chegarmos até ao responsável desse crime entrevistamos uma enorme quantidade de pessoas dessa época ou meios que nos permitissem chegar a tais entidades. E elas não se fazem esperar ou ouvir, temos então pistas e provas que nos fazem seguir os nossos modelos propostos. Numa área tão distante como esta são mais que muitos os meios que dispomos ou quase nenhuns, tais como a arqueologia, a botânica, a história das mentalidades que neste caso entra em cheio as receitas propriamente ditas e nesse caso citamos Katia Paim Pozzer, Jean Bottero, Joseph Klimá António Ramos dos Santos, um número especial da revista Dossiers de Arquelogie e mais recentemente António Almeida. Este caso que iniciamos agora chegamos à conclusão de que se compõe de diversos arquivos base com que na fase de investigação iniciamos a procura do retrato robot da sociedade mesopotâmico.Em que moldes se move esta gente e em que preço se atrevem a preparar os futuros cozinheiros e as pessoas que recebem e aquelas que entram nos espaços públicos como são recebidas? O que comem? Como se devem comportar à mesa? Tudo isto faz parte da etiqueta e da boa educação? Haviam normas de higiene?

Para iniciarmos a nossa investigação devemos chamar até nós as testemunhas necessárias a este nosso processo. Como é que é determinado este processo de aprendizagem que se chama de cozinha? Existe algum livro, alguma teoria ou livro que se deve seguir?

Para começar a tarefa de cozinheiro havia um período de quinze meses para se iniciar na árdua tarefa de cozinheiro. Ele seria o mestre e o senhor de um requinto e de uma famosa escola laboriosa que não tendo um livro que se seguisse, haviam autoridades máximas e todos os seus representantes eram apresentados ao supervisor do curso dependendo do trabalho que realizassem. Os cozinheiros eram na sua maioria profissionais que tomavam uma escola oficial, rigorosa, logo seguia uma rígida disciplina. Eles eram representantes associados a um templo, tidos como sacerdotes. Alguns deles podiam-se tornar sacerdotes da cozinha de Marduk, associados ao serviço de grandes armazéns. Estes grandes centros tinham a sua sede nos palácios e eram eles que distribuíam toda a casa real.
Tudo isto fazia-nos pensar como seriam dias festivos como inaugurações de palácios onde se preparavam grandes recepções como a da famosa festa de dez dias da inauguração do palácio de Kallah.

Uma imagem vale mais que mil palavras. Para vos explicar esta teoria devemos recuar ao longínquo ano de 883 a.c. Trata-se da inauguração do palácio de Kallah onde o monarca iniciou uma nova forma de poder a de fazer política usando a imagem. Como afirmam Brigitte Lion e Cécile Michele num artigo publicado na revista Dossiers d´arquelogie “As inscrições dos reis neo-assírios têm sido apenas estudadas como temas de representação de poder. A inauguração do palácio de Kallah não escapa à regra (…)”

Nesta nova forma de fazer política que é a de bem receber os comensais, Assur-nar-sir-pal II dá a conhecer ao seu povo como para toda a posteridade da forma como a cozinha e a comida podem ilustrar aquilo que é o poder. Não é de hoje que se determinam as grandes decisões políticas através de um fantástico banquete onde a cozinha e as suas dependências se podem unir neste caso. Foi precisamente sobre este episódio que tratamos este mesmo episódio num dos capítulos do nosso trabalho A arte e a ideologia durante o reinado de Assur-nar-sir-pal II. Essa inscrição dá-nos não só aquilo que os convivas comeram, beberam e os dias de inaguração desse mesmo palácio. No âmbito dessa mesma investigação já se centrava aqui a ideolização real como mero produto de propaganda enunciada por Mário Liverani onde se podem propor por vezes a falsificação das crónicas usadas a impressionar um púbico bem vasta, como também ao grupo de estrangeiros.
Nesse gigantesco banquete os ingredientes foram minuciosamente enumerados e oferecidos ao deus Assur pelo rei Assur-nar-sir-pal II. Aí revelou-se que se haviam convidado cerca de 69574 pessoas, de entre as quais 47074 eram convidados provenientes das diferentes regiões do reino, 5000 representantes de países estrangeiros, 1500 funcionários e 16000 habitantes de Kallah.

A enumeração do menu de assur-nar-sir-pal II começava por produtos animais, espécies domésticas e selvagens, pássaros, peixes e ovos. na pirâmide dessa roda dos alimentos estão os bois caros e davam prestígio. A base da alimentação constitui um dos momentos mais altos da qual tinham um papel extremamente importante, o porco que não era referido nos anais, mas proibido em determinada data. A lista dos produtos vegetais é a mais longa e mais desenvolvida. O cereais, base da alimentação do médio oriente pelos homens e certos animais domésticos, servem para preparação das diversas formas da dieta neo-assíria.

Tal como hoje os jantares eram de uma forma ou de outra uma característica de marca política, da diplomacia e como já observamos como símbolo do poder.
Quem vivia nesse mesmo palácio em grupos a que chamavam armazéns e que dispunham de um manancial próprio para as grandes festividades. Quem é o responsável pelo milagre culinário? A confecção dos pratos devia ser feita com o máximo dos cuidados pois esta cozinha visava não só presentear os convidados como também os deuses. Os deuses também se banqueteavam com estes repastos ou não tivessem eles as mesmas necessidades que os homens.