fanzine Tertuliando (On-line)

Este "blog" é a versão "on-line" da fanzine "Tertuliando", publicada pela Casa Comum das Tertúlias. Aqui serão publicados: artigos de opinião, as conclusões/reflexões das nossas actividades: tertúlias, exposições, concertos, declamação de poesia, comunidades de leitores, cursos livres, apresentação de livros, de revistas, de fanzines... Fundador e Director: Luís Norberto Lourenço. Local: Castelo Branco. Desde 5 de Outubro de 2005. ISSN: 1646-7922 (versão impressa)

quinta-feira, maio 12, 2005

Amor, ódio e racismo

Este texto, anima-o a denúncia do racismo e da xenofobia, como contributo para a revolução das mentalidades das gentes da Beira Interior.
O racismo que existe na nossa região tem a faceta mais perigosa, porque tem a cobri-lo uma grande, mas no entanto frágil, máscara. Não é tanto o racismo violento – de que são exemplos agressões e mortes, motivadas pelos preconceitos raciais –, não é o racismo visível que me preocupa mais na Beira Interior, porque esse, por se mostrar, pode ser combatido mais facilmente, porque está identificado, pior é o que está interiorizado na mente das pessoas, é o racismo invisível, difícil de combater, porque apenas se insinua no privado e aí age, não se manifestando publicamente.
É o racismo do foro psicológico, que se sente, nomeadamente no seio familiar, quando se ultrapassam as barreiras do preconceito e dois jovens (ou não) com diferentes tons de pele se tornam amigos, “pior”, se se apaixonam, mas se falam em casamento, então a casa vem abaixo; é a ameaça da expulsão da casa dos pais e a ameaça de o (a) deserdar; é o dizer «para mim morreste, já não és meu (minha) filho (filha)»; ou mesmo a violência física e, por fim, a traição dos falsos amigos.
E não se pense, que falo de abstracto, falo do concreto, estou a pensar em casos que conheço e em que as vítimas deste racismo mo denunciaram. Neste caso específico, do racismo que atinge o seio de uma família, o caso é tanto mais grave, quanto mais cultos são os progenitores, porque a cultura e a educação de que são portadores os devia tornar menos permeáveis aos preconceitos raciais. E quando falo em progenitores cultos, estou a pensar em dois grupos profissionais concretos, o dos profissionais ligados ao mundo das leis: advogados e juízes.
Assim, diria mesmo que é altamente preocupante, se um desses pais racistas é professor (a) – imagine-se que mensagem passará nas aulas, talvez a da “superioridade” da sua “raça”, da sua religião? – ou juiz (a) – tendo à sua frente litigantes de “raças” diferentes, poderá ser imparcial? – ou, finalmente, advogado (a) – que escondendo os seus preconceitos raciais se apresta a defender uma pessoa de outra “raça”, não para ajudar a resolver o seu caso, mas para prejudicá-la.
É a mesma gente, dita “muito católica”, mas pouco cristã, dita “de bem”, defensora da moral e dos bons costumes e apregoadora do Amor contra o Ódio, que com o seu ódio racista destrói o amor de dois jovens, apenas e só, porque as suas cores de pele são diferentes.
Algo, que para quem não é racista é apenas aparência – não o essencial –, a cor, a qual não é portadora de cultura, de personalidade, de carácter, de valores, é apenas e só uma cor, um tom de pele, de olhos, de cabelo… enfim, do que se quiser.
O racismo de que falo não é minoritário na Beira Interior. Não, já perdi a ilusão, é maioritário. Só que, quem é portador da doença do racismo, tem vergonha, e assim é difícil combatê-la, e essa é a tarefa mais árdua de um anti-racista. Adivinho as reacções a este texto e não as temo, porque sei que – se o ódio não vos cegar – ao tocar no vosso ponto fraco, meditareis sobre ele, e então, talvez tenha valido o esforço.
A verdade vencerá o ódio e a vergonha apoderar-se-á de vós, se se revirem nestas palavras.
E então, quiçá, algo mude.

Luís Norberto Lourenço

P.S.
Artigo publicado no “Jornal do Fundão”, 23/1/1998.
Hoje, não o escreveria assim, não tanto pelo conteúdo (se bem que entre as duas datas ocorreu um homicídio, no Fundão, por motivos racistas e soube-se, em Belmonte, de casos de escravatura, em que "senhores" e "escravos" não são da mesma "raça"), mais pela clareza da mensagem.