fanzine Tertuliando (On-line)

Este "blog" é a versão "on-line" da fanzine "Tertuliando", publicada pela Casa Comum das Tertúlias. Aqui serão publicados: artigos de opinião, as conclusões/reflexões das nossas actividades: tertúlias, exposições, concertos, declamação de poesia, comunidades de leitores, cursos livres, apresentação de livros, de revistas, de fanzines... Fundador e Director: Luís Norberto Lourenço. Local: Castelo Branco. Desde 5 de Outubro de 2005. ISSN: 1646-7922 (versão impressa)

terça-feira, março 29, 2005

A Cultura do Medo: as cartas anónimas


Em tempos escrevi um “Manifesto contra o medo”, volto à temática hoje.
Escrevo a pensar nos atentados terroristas.
Escrevo na sequência das notícias sobre cartas anónimas, ditas irrelevantes e ainda assim divulgadas e profusamente ampliadas, promovendo a calúnia, a difamação e o boato.
Nomeadamente, em jornais (e em sítios na Internet, também, de meios de comunicação que aparentemente são sérios) que dizem (não cumprindo) que só publicam cartas de leitores que se identifiquem (nome, morada, telefone, n.º de B.I., foto…), ao mesmo tempo que aceitam como fontes fidedignas cartas sem identificação!
É a lógica do medo.
O triunfo do boato.
A vitória da mentira.
O elogio da cobardia.
Os escritores anónimos vencerão!
As ditaduras e os terroristas servem-se do medo e promovem-no para triunfar, as primeiras para se manterem no Poder e os segundos para semear o caos e através da estratégia do Terror atingir os seus objectivos.
O boato é uma arma ao serviço do medo.
Como desmascarar uma mentira?
Como derrotar um boato?
Ignorando-o, deixando-o seguir impunemente o seu caminho de difamação?
Combatendo-o, alimentando a besta ao dar-lhe publicidade?
O boato é uma arma perigosa, num cenário de guerra suja (como se alguma fosse limpa!).
Ainda por cima, quando os boatos são base de notícias, não apenas de pasquins, mas doutros órgãos de informação que lhe deviam estar imunes, deixando-se levar pelos argumentos “um boato tem sempre alguma coisa de verdade” e “não há fumo sem fogo”.
Todos os regimes repressivos, ditatoriais, se serviram (e servem) do boato para derrotar os adversários, desacreditando-os.
A Inquisição (Tribunal do Santo Ofício) promovia a denúncia, pagando a quem o fazia e oferecendo aos denunciantes/acusadores o direito a poderem permanecer no anonimato, sem revelar aos réus de que eram acusados.
Quantos morreram às mãos da Inquisição sem saber quem os acusou?
Os dirigentes nazis, encorajavam os jovens nazis – membros da Juventude Hitleriana – a denunciar os pais se estes não fossem apoiantes de Hitler e das suas ideias.
A PIDE (PVDE/DGS) promovia a delação, a denúncia gratuita, a coberto do anonimato, com milhares de colaboradores por todo o país, prontos a denunciar familiares, amigos, colegas e vizinhos, por inveja ou pelo que recebiam por elas, não necessariamente por motivos políticos.
E tal como aquela todas as polícias políticas assim actuam.
Numa Democracia, os cidadãos devem dizer abertamente o que pensam, sem medo, assinando o que escrevem, lutando pelo que acreditam, intervindo, “de peito aberto”, com frontalidade, com verdade, não escondendo-se cobardemente atrás do anonimato.
Porque o medo gera medo.

Luís Norberto Lourenço

Vila Nova de Paiva, 7 de Janeiro de 2004

· Publicado no “Diário XXI” de 12/1/2003
· Publicado na “Reconquista” de 16/1/2003