fanzine Tertuliando (On-line)

Este "blog" é a versão "on-line" da fanzine "Tertuliando", publicada pela Casa Comum das Tertúlias. Aqui serão publicados: artigos de opinião, as conclusões/reflexões das nossas actividades: tertúlias, exposições, concertos, declamação de poesia, comunidades de leitores, cursos livres, apresentação de livros, de revistas, de fanzines... Fundador e Director: Luís Norberto Lourenço. Local: Castelo Branco. Desde 5 de Outubro de 2005. ISSN: 1646-7922 (versão impressa)

terça-feira, outubro 18, 2011

DEscolonização portuguesa é um conto de fadas ou de horror ?

Se pudessemos estabecer uma figura dos contos infantis na história da descolonização portuguesa essa figura seria a Bela Adormecida. A Bela Adormecida teve desde muito cedo a profecia que no dia em que atingisse a maioridade e tocasse o fuso morreria. Para a proteger as suas fadas madrinhas acabariam por atenuar-lhe essa pena, levando-a a adormecer durante cem anos. Todo este universo em redor da pequena Aurora leválá-a a dormir durante 100 anos, assim como toda a população. Assim se passava com Portugal, apesar de ser sondado constantemente pela Onu ,inquirindo-o como tratavam os povos africanos, quando é Portugal iria dar autonomia às suas províncias...

Salazar mudou os nomes de "colónias" para "províncias ultramarinas". Neste sentido a nossa comparação com a história da bela adormecida não é de todo descabida, mas antes de tudo um retardamento em relação a uma realidade que viria a acontecer nos meados dos anos setenta. Salazar poderia aqui ter o estatuto equivalente ao de uma fada madrinha que poupa a maldita profecia e prefere a sua menina preferida adormeçam até ao 25 de Abril de 1974. Muitos princípes que tentaram dar o beijo apetecido quebrando a maldição da morte, não fossem eles todos teóricos ou partidos de teses federalistas. Assim sendo e chegando ao nosso objecto de estudo sintetizar durante as próximas quinze páginas como é que decorreu esse movimento da descolonização. Preparam –se teses, colóquios e ao mesmo tempo surgem bolsas de investigação relacionadas a este tema .Julgamos ser este o ponto de partida para pensar de que forma se pode dar a descolonização. Ela pode ser estudada isolada ou num contexto internacional?

Permitam-me que avance com a primeira hipótese. Para Valentim Alexandre a descolonização deve ser estudada numa perspectiva de longa duração, iniciada logo após a Primeira Guerra Mundial , daí que o dominó que envolve a maioria dos impérios coloniais irá manifestamente cair durante os anos que se seguirem[1]. O segundo toque neste jogo dá-se logo após a segunda guerra mundial e levará a que a maioria dos impérios coloniais europeus reconheça imediatamente as ordens da nova ordem internacional [2]. Portugal é o único país da Europa que continua a manter as suas possessões ultramarinas levando-o a perder grande parte das negociações diplomáticas [3]. Quando a nossa Bela Adormecida Lusitana acorda não verá que adormeceu vários anos, mas que está diante deum longo processo de guerra colonial, e sente a pressão de assédio de um grupo de príncipes que se queriam casar com ela e ao mesmo tempo ocupar todas as regiões que lhe estavam destinadas a ela. Todos os seus pretendentes apresentaram diversas teses ou escreveram estratégias: como é que poderiam libertar as pessoas que viviam no principado da menina sem que as suas populações começassem por se autogerir? Como é que as populações teriam as suas próprias leis ou tivessem eles um processo alternativo? Outros claro está aceitariam de bom grado. mas houve quem não visse nada disto assim, eram autênticos cavaleiros da liberdade que libertariam a princesa do seu pai monstruoso[4].

Diante destas propostas a princesa deveria escolher um único e só pretendente, aquele que tivesse a sua melhor oferta e essa foi aquela que seria escolhido perante os cavaleiros da liberdade. Na maior parte das vezes a historiografia tem que lidar com textos destes. Num período tão curto como a da história contemporânea a opnião pública, os jornais e mesmo até os grandes mitos devem ser analisados a pente fino. Por isso quando escolhemos comparar este tema a uma velha história infantil contada sempre da mesma maneira mas adaptada à região do seu país. Neste caso poderemos ver que a nossa descolonização foi feita tardiamente, não porque quisessemos, mas porque na cabeça de um governante descolonizar seria perder uma parte de Portugal. Quando se dão as lutas de libertação nos países da África Lusófona a Bela Adormecida desperta sob o efeito de uma violação de que ela deverá defender o seu belo terreno contra os habitantes daquele local que a sua fada madrinha considera como parte de dote que deve oferecer ao príncipe. Esta versão contemporânea ou política adaptada à história da descolonização portuguesa serve para ilustrar as fases apresentadas por Pedro Pezarat Correia na obra Portugal – 20 anos de Democracia [5].

Este autor apresenta cinco fases para chegarem ao processo de descolonização: na primeira fase há uma tomada de consciência, na segunda luta de libertação, na terceira a transferência de poder e as duas últimas fases são seguidas a independência e a consolidação de identidade nacional[6]. No fundo esta é uma das teses que nos permite olhar para a perspectiva comparada , contrária aquela a que anteriormente era estudada dando-se apenas importância aos anos seguintes à revolução dos cravos.
Desta forma António Costa Pinto cite W m . Roger Louis “na história comparada das descolonizações, Portugal é o elo fraco. Fraqueza provocada pelo simples facto dos especialistas do tema raramente incluírem on caso português e dos que trabalham o tema não o pensarem numa perspectiva comparada (…)”[7]

Se mantivermos a mesma versão actual da Bela Adormecida contemporânea da descolonização iremos compreender como Pedro Pezarat tinha razão e como a maioria dos processos de descolonização já se tinham sucedido e que ao mesmo tempo estavam a correr por toda a Europa. Se quisermos seguir o raciocínio de Pedro Aires Oliveira, podemos centrarmos a nossa atençào também perante uma das poucas amigas da nossa Princesa, a mais audaciosa e radiante Jovem Grã Bretanha, toda a ela tida como a mia sforte e detentora de várias posses de terras e em casos de guerra poderia auxiliar português. Pondo de lado este conto defadas da descolonização portuguesa como é que se podem manter as relações de uma ou mais nações na qual umadelas continua apegada às velhas ideias? Quando todo o continente europeu vê a largos passos o sistema de alianças mudar de mãos, como é que se pode falar de alianças e descolonizações em países que a pouco e pouco começa a tomar consciência de si próprio? Como é que a Grã Bretanha sendo ela pioneira das descolonizações europeias e a mais velha aliada de Portugal, no desenvolvimento e desfecho da crise do colonialismo poruguês? Levantadas estas questões poderemos sintetizar todo este conto de fadas da descolonização, ele não terminou ainda, bem como lhe falta algumas partes escritas da história. Se não vejamos, enquanto, a nossa Donzela esteve adormecida durante vinte cinco anos. Esta só se apercebeu nos anos sessenta com fortes rajadas das metralhadoras da janela do seu quarto perante as lutas e as tentativas dos diferentes campos de guerra, quer da guarda, quer dos colonos começavama uma longa aguerrida que iria levar à infecção de todo esse império chegando à élite do exército português. Deixará de se ouvir a era de princípes e princesas, dos duendes e das fadas corporativas que protegeram as princesas do pensamento próprio e da sua própia criatividade política .Durante este mesmo período muitos foram os candidatos que tentaram apresentar uma proposta delibertação ao pequeno ducado que o seu pai governava com pulso de ferro. Aquele que apresentasse à jovem princesa a melhor proposta casar-se ia com ela, muitos forma os candidatos .Durante este período surge um homem com uma teoria considerada absurda para os mais conservadores do regime, já que o manuscrito do seu futuro livro “Portugal e o futuro”fora apresentado em segredo, a par da autorização governamental para a sua edição. Havia receio da DGS. As principais ideias já haviam sido apresentadas por Spínola num relatório que preparou a pedido de Caetano. No entanto este livro escrito por Spínola foi escrito no maior secretismo, preparando aquilo que seria uma cópia da nossa velha aliada Grã-Bretanha África seria uma espécie de commonwealth portuguesa. Mas a proposta de António de Spínola não teve pernas para andar. Duendes e fadas tornaram-se subervesivos e transformaram-se em seres mutantes, demonizando a princesa sedenta de sangue para se tornar jovem e bela na conquista de novos pretendes. Depois da saída dos habitantes, ela tornou-se cada vez mais sedenta através de poções que lhe davam os seus maridos. Hoje em dia a princesa morreu ou tornou-se pelas vias das dúvidas a procurar aliados ou parceiros que a ajudem a recuperar a sua velha beleza. Todos nós sabemos que muitos cavaleiros foram em busca do olhar lascivo da velha princesa descrita em velhos livros de linhagens, de maldições. Cá vos esperamos um destes dias para nos contarem as suas aventuras . A pergunta mantém-se. Talvez a descolonização portuguesa se assemelhe a uma lenda ou a um filme de terror, pois não têm fim. Só esperamos um dia encontrar as palavras mágicas para descobrirmos o livro de linhagem da princesa Aurora.

[1] Cf Valentim Alexandre “A Descolonização Portuguesa numa perspectiva Comparada “
[2] Cf António Costa Pinto, O fim do Império Português, introd , p.
[3] Pedro Pezarat Correia, Descolonização portuguesa, in 20 anos de democracia, António Reis (coord. De ) ed. Círculo de Leitores
[4] Cf Norrie Macqueen, A descolonização portuguesa
[5] Cf Pedro Pezararat Correia, ob. Cit
[6] Cf ob . cit
[7] Cf António Costa Pinto, O fim do império português, Livros Horizonte, Lisboa, 2001, pp9-10