“O Público ao domingo não se diverte(…) , o público cura-se .”
Neste
momento centremo-nos nestes dois objectos e as suas principais funções: uma caixa de antidepressivos, duas bandarilhas. O que é que
isto quer dizer? Qual o propósito desta análise? Hoje em dia todos nós não
dispensamos uns comprimidos antes ou depois do local de trabalho, uma espécie de capsula anti-stress. Estes dois objectos têm esse mesmo [1]efeito, “não fazem pior, apenas curam “e apenas curam porque estamos diante de uma
cidade que durante muito tempo foi um local empreendedor onde trabalhavam milhares
de pessoas, sob as mais penosas condições.
É sob o
lema “Ao domingo o público não se diverte, mas
cura-se “citando Ramalho Ortigão que se coloca a favor das touradas e por outro lado Fialho
de Almeida está pelo lado contrário .Ora, para os olhares mais distraídos que
nunca viram a praça de Touros Carlos Relvas ela
foi em tempos palco de acessos
debates a favor ou contra a sua inauguração. Não é de ontem que as polémicas contra as touradas e a sua discussão em torno delas, não é que
morra de amores por touradas, mas o que
me interessa aqui é o discurso inflamado por parte dos público sadino e
daqueles que escreveram nos jornais da época Um exemplo disso é o caso
de uma carta assinada por Georgina
Novaes insurgindo-se contra a inauguração do recinto. Segundo ela “uma nova escola de instrução pública não teria, decerto, tantos admiradores e amadores. A prova evidente de que povo
precisa de escolas e não de praças de touros, é a maneira como ele
corre pressuposto a aplaudir
e aclamar um espectáculo inumano, bárbaro, perigoso e
repugnante, espectáculo que faz
recordar os circos da antiga Roma”
.
“O Público ao domingo não se diverte(…) , o
público cura-se.”
Venho
falar-vos de dois desportos que nos permitem não só ver a semelhança
entre estes. Os
aficcionados e aqueles a quem continuam a promover tertúlias contra as touradas.
Ontem tal como hoje se promoveram movimentos contra touradas. Formar-se –ão grupos
muito restritos onde os pescadores seriam aficionados das touradas. Daí ter escolido como tema para esta comunicação uma frase de Ramalho Ortigão “ O público não se diverte ao domingo
(…) o público cura-se ao domingo
(…)”
Estamos
perante uma descarga emocional ou um desporto violento? Temos alienação ou prestígio nacional? Como
foram vistos estes fenómenos em 1885?
Em Setúbal
,tal como em Lisboa, as touradas atraíam
um público numeroso,sedento de emoções fortes. Era um espectáculo
brutal ,muito ao jeito do povo latino,
arreigado ao temperamento dos
homens do mar. Com o tempo, os touros
serviram de escape às emoções acumuladas, friuto de tensões sociais que então se viviam, e encontraram
no esquema cultural do país. No
rasgo do bairrismo e de apego às actividades recreativas características dos portugueses, Ramalho
Ortigão criticava a implantação
despropositada de espectáculos desinseridos do nosso contexto social e
considerava que Lisboa (…) faria talvez bem abstendo-se “, de início, “de
corridas de cavalos, para cujos os esplendores “não tinha ainda nem a tendência suficientemente atrevida “. Assim, enquanto não se desenvolvesse “um pouco mais “deveria
continuar a regalar-se como até agora nas suas velhas touradas
honestas e valorosas “
Mas como,
segundo as autoridades, touros e civilização não se combinam, desenvolveram
um processo visando por cobro aquele
aviltante espectáculo. Foram
proibidas as pegas, facto que Ramalho Ortigão em 1881, pois o povo
trabalhador podia extrasavar toda a tensão
acumulada ao longo de uma semana
de “submissão e obediência “; ele
necessitava de gritar com o touro
porque não podia fazê-lo com o chefe : “O público ao domingo não se diverte,
(…),o público ao domingo cura-se”. Em Lisboa
a “onda “, em vez de ir para o campo, ia à tourada porque o que queria era “berrar “,e ali podia fazê-lo .Entretanto
,a crítica denunciava “com palavras
acerbas, a “depravação “do gosto dos
portugueses (…) que em vez de irem aos
concertos, se deleitavam .Se a
tourada é defendida como forma de aproveitar os tempos livres como norma de se rebelar contra os chefes durante a semana, e assim também é o
desporto rei exportado da Ingalterra tem as mesmas funções abrindo quase funções guerreiras ou mesmo simbólicas
perante o aspecto guerreiro, masculino. O futebol foi reunindo um grupo
de trabalhadores vindos do operariado e que lhes permitia dessa mesma forma trazer
não só vitórias, mas construir também um elo de ligação perante os quadros da empresa onde trabalhavam. [2]
É neste sentido que decidi
exprimir uma proximidade entre dois géneros de desporto firmados
pela polémica entre os autores nacionais, como pelos jornais que em seguida iremos
ver e também pelos trabalhadores. Será o a tourada um meio de
alienação? Serão os setubalenses sanguinários?
Se
formos bem ver as coisas os discursos em pouco mais de cem anos não mudaram muito, como atesta Maria da Conceição Quintas em Setúbal nos finais do século XIX “Acabem agora com as touradas, assim como já acabaram com as pegas, obriguem os homens de ofício e os homens de trabalho a irem em todos os domingos de tarde
espectar-se na Trindade a ouvir música clássica dos espiritualistas alemães –maçadores como
tudo! -e verão o lindo povo de
palermas que aí se arranja para se rabejar platonicamente a si mesmo nas lides da Ideia! (…) “
Ideia contrária tem
Fialho de Almeida que se concentra num debate sobre este tema, considerando-o
“selvageria das touradas “.
Mas
sendo as touradas um desporto, um quiça
um espectáculo selvagem como ligá-lo
às festas religiosas? Como pode ser
possível reunir campeonatos de futebol
na Praça de Touros Carlos Relvas dali a alguns anos? Podem estes dois
desportos ligar-se? Quais são as
suas semelhanças e diferenças?
Como ao
longo deste último século foram sendo
representados nos diálogos entre intelectuais?
É certo que
este é um tema que tem vindo a acender
opiniões, e muitos deles são criticados a favor e contra, eu ponho-me na
bancada do meio, nem a favor, nem contra, tenho familiares que são
cavaleiros tauromáquicos e grande parte dos portugueses o são, e encontramos
muitas vezes olhares de censura. Muita coisa ainda está por fazer e merece sem
dúvida um estudo, algumas pessoas já o fizeram a nível, antropológico e na
área da etnologia das religiões. Mas a nível historiográfico ou museológico
para quando é que podemos encontrar este género de estudos em Portugal.
Enquanto historiador preocupa-me porque razão é que as pessoas ainda não se
debruçam nestas matérias. Será que as touradas portuguesas não teriam direito
ao seu estudo? Se há já áreas de especialização em Portugal que se dediquem a
estudar jardins, ou noutros casos adivinhas, proponho que estudem as touradas
e digo-vos que elas estarão muito mais perto de nós, do nosso quotidiano que
alguma vez pensamos. Tal como a psicologia, e neste caso o coaching que está
agora na moda, não se pretende de algum modo
resolver aquele problema, mas trabalhá-lo e encarar neste caso o touro
que temos à nossa frente.
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