fanzine Tertuliando (On-line)

Este "blog" é a versão "on-line" da fanzine "Tertuliando", publicada pela Casa Comum das Tertúlias. Aqui serão publicados: artigos de opinião, as conclusões/reflexões das nossas actividades: tertúlias, exposições, concertos, declamação de poesia, comunidades de leitores, cursos livres, apresentação de livros, de revistas, de fanzines... Fundador e Director: Luís Norberto Lourenço. Local: Castelo Branco. Desde 5 de Outubro de 2005. ISSN: 1646-7922 (versão impressa)

terça-feira, outubro 13, 2009

Xenofobia pelos olhos duma criança

O poema cantado por Rafael Amor “Não me chames estrangeiro” foi por mim tratado numa aula de Formação Cívica, lido e comentado pelos alunos, há um comentário que merece ser divulgado, é da Bárbara Guedes, de 11 anos:

Acho que é um poema sentimental. Relata bem porque é que não se deve discriminar os outros, por serem de outra cor, raça ou pobres.
Eu acho que nunca o fiz, porque não gostava que me fizessem a mim.
Acho que às vezes quando estamos irritados com uma pessoa aproveitamo-nos disso mas sabemos que temos que pedir sempre “desculpa”.
A xenofobia é só um contexto para descarregarmos nos outros, porque por vezes temos problemas em casa, na escola ou queremos mostrar-nos superiores em frente aos outros.


A seguir transcrevemos uma versão portuguesa do poema:

Não me chames estrangeiro [No me llames extranjero]

Não me chames estrangeiro, só porque nasci muito longe
ou porque tem outro nome essa terra donde venho.
Não me chames estrangeiro porque foi diferente o seio
ou porque ouvi na infância outros contos noutras línguas.
Não me chames estrangeiro se no amor de uma mãe
tivemos a mesma luz nesse canto e nesse beijo
com que nos sonham iguais nossas mães contra o seu peito.
Não me chames estrangeiro, nem perguntes donde venho;
é melhor saber onde vamos e onde nos leva o tempo.
Não me chames estrangeiro, porque o teu pão e o teu fogo
me acalmam a fome e o frio e me convida o teu tecto.
Não me chames estrangeiro; teu trigo é como o meu trigo,
tua mão é como a minha, o teu fogo como o meu fogo,
e a fome nunca avisa: vive a mudar de dono.

E chamas-me tu estrangeiro porque um caminho me trouxe,
porque nasci noutra terra, porque conheço outros mares,l
e parti, um dia, de outro porto...
mas são sempre, sempre iguais os lenços da despedida
iguais as pupilas sem brilho dos que deixámos lá longe,
os amigos que nos chamam, e também iguais os beijos
e o amor dessa que sonha com o dia do regresso.
Não me chames estrangeiro; trazemos o mesmo grito,
o mesmo cansaço velho
que sempre arrastou o homem
desde fundos tempos,
quando não havia fronteiras,
e antes de virem esses, que dividem e que matam,
os que roubam, os que mentem,
os que vendem nossos sonhos
os que inventaram um dia esta palavra: estrangeiro.

Não me chames estrangeiro, que é uma palavra triste,
que é uma palavra gelada, e que cheira a esquecimento
e cheira também a desterro.
Não me chames estrangeiro: olha o teu filho e o meu
como correm de mãos dadas, até ao fim do caminho.
Não me chames estrangeiro: eles não sabem línguas,
de limites nem bandeiras; olha como sobem ao céu
no riso que é uma pomba que os reúne no voo.
Não me chames estrangeiro; vê teu irmão e o meu,
o corpo cheio de balas, beijando o solo de morte;
eles não eram estrangeiros, conheciam-se desde sempre,
pela eterna liberdade, e livres os dois morreram.
Não me chames estrangeiro; olha-me nos olhos
muito para lá do ódio, do egoísmo e do medo,
e verás que sou um homem, não posso ser estrangeiro.

RAFAEL AMOR

Mais:

Versão cantada, aqui.

Versão original, aqui

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