COMO CRIAR UM EDIFÍCIO PSICADÉLICO CHAMADO FICÇÃO CIENTÍFICA COM UM GIN TÓNICO BEM FORTE ?
“O que é que impele então alguém a tornar-se comediante ? O abandono . O abandono puro e simples por parte da mãe . As mães são os pais dos comediantes , (…) Os comediantes , procuram substituir o amor ausente de um pai ausente pela admiração dos desconhecidos (…) “
Eric Idle , O Caminho para Marte , um romance pós –modem , Ed. Gradiva , Produções Fictícias , p.93
Introdução
Conhecer uma pessoa profundamente é conhecer-se a si
próprio . Esta é na base a essência das
ciências humanas , conhecemos os outros para nos conhecermos a nós próprios .
Por isso ao olharmos as obras de arte , edifícios , temos que ter em conta
os alicerces da sua construção . Eles
são exactemente iguais aos de uma pessoa , por isso quando estudamos uma obra
de um escritor devemos olhar para a época em que ele viveu . Porque decidimos
estudar a obra de um autor como Mário
Henrique Leiria ? Será ele assim tão importante para a literatura portuguesa
contemporânea ?
Sim , é tão importante olharmos para os alicerces do
seus dois edifícios e outras duas maquetes de edifícios que poderemos analisar
ao longo desta investigação . Poderemos centramo-nos nestas duas casas de
histórias onde os quartos estão cheios
de palavras , risos e etiquetas trocadas, propositademente , passagens secretas
desconcertantes que nos proporcionam momentosde descarga emocional . Por isso
avisamos que absorvemos a massa crítica deste autor, colocamo-lo no seu tempo e
espaço e em seguida decidimos tratar de um assunto muito pouco estudado na
literatura portuguesa a ficção científica portuguesa .
Será a ficção científica portuguesa uma literatura comprometida ? Estará ela ao serviço da política ? Como é que podemos diferenciar a ficção científca de Mário Henrique Leiria com as os dos autores que ele traduz?
Esse será um dos pontos essenciais do estudo deste trabalho : esboçar um plano arquitectónico para o jardim Leirianiano . Como apresentamos então essas normas ?
Para criarmos esta arquitectura leiriniana devemos centrarmo-nos na sua escrita peculiar que difere de todos os outros escritores , que faz sentir uma voz poderosa para construir uma crítica muito bem elaborada sobra a sociedade do Estado Novo .
Para criarmos esse jardim temos que ver esse espaço envolvente ,cheio de labirintos , histórias e partidas , onde podemos encontrar outros atalhos aos quais todos vão dar a Mário Henriques Leiria . A recriação da paisagem idealizada por este arquitecto paisagem revela um universo futurista escondendo uma realidade muito própria , um estilo e um universo idealizados por Mário Henrique Leiria . Como é próprio dos jardins exóticos são necessários árvores raras , como o humor negro , a sátira , o non –senso e também plantas que quase provocam o riso muito à maneira dos palhaços pobres que deitam água junto dos visitantes .
Estas metáforas preparam as próximas páginas para aquilo que irá ser o nosso trabalho , a explicação e a razão d eum autor que ousou ser diferente , pouco conhecido e mal amado . Por isso decidimos seguir o labirinto e prepararmos um fio de lã onde pudessemos seguir o rasto deste escritor. Quem foi afinal
Mário Henrique Leiria ? Que obras é que ele escreveu ? E que movimento pertencia ele ?
Por isso tencionamos responder a estas questões nas próximas páginas , descrevendo afinal o que é o humor sobre as diferentes perspectivas , enquadrando-o na época e na concepção de autores surrealistas e a sua regra base .Seguindo o mapa para encontrar a saída deste labirinto leirianiano procuraremos as características de ficção cinetífica e onde estão as marcas do autor nas obras criadas pelo autor . Diante deste modelo procuraremo seguir uma pista daquilo que o autor procurou fazer ao codificar a parte final do Estado Novo na Primavera Marcelista .
Muitas foram as obras que seguimos para construir o nosso modelo de raiz humorística . Depois de descrevermos a época em que se situa o autor , passaremos a descrever a sua vida ,de uma forma generalizada porque se trata de uma pequena investigação .
Descodificar a biografia de um autor é também recolher dados da sua época . Ao escolhermos a biografia de Mário Henrique Leiria conhecido autor dos Contos do Gin Tónico ( Estampa , 2010) e Novos Contos do Gin Tónico ( idem ) dedidimos estabelece-lo na época em que viveu , no movimento a que pertenceu , ao partido clandestino de então ( PCP ) , que foi militante e que pouco tempo depois da viagem à ex-URSS .
A nossa ánalise não sendo gratuita , será sobretudo uma introdução aquilo que poderá ser uma primeira análise à vida e obra de um autor que para a maioria dos portugueses é desconhecido , não só porque o humor é tido como uma forma de literatura secundária e subversiva( Agnese , 2002 ), mas também é desprezado e tido como um geénero menor pelos académicos portugueses .
Na base do puzzle que se permite abrir as gavetas filosóficas tal como o movimento Surrealista ao qual pertenceu , nesse âmbito as suas obras demonstram uma fórmula muito próprio de um humor ao qual Cecília Barreira afirma ser libertador . Dentro deste género revertemos as suas características ligadas a André Breton surrealista e que designou o humor negro não só como uma forma como brincar com a morte , mas também o autor que usa este género de humor será uma morte figurada em relação ao pai ao qual os psicólogos afirmam uma espécie de Complexo de Édipo sofisticado .
Dentro desta colheita Leiriana abusamos não só do seu espólio documental existente nos Reservados da Biblioteca Nacional , onde contém toda a sua obra , bem como as obras já identificadas anteriormente . Estudar Mário Henrique Leiria é recordar também um percurso de um homem que se bateu em romper com as amarras da sociedade , frequentou Arquitectura na Faculdade de Belas Artes e também fez parte da Comissão Organizadora de algumas exposições português , trabalhou como operário em diversos países
da Europa onde escrevia no Jornal de Notícias , mais tarde preso pela Polícia Internacional e Defesa do Estado ( Processo n. 20610 , Livro 104 , ANTT)
Para terminar aconselhamos um homem que soube preparar um coktail bem servido através de um gin-tónico bem forte, apresenta-nos um rasgo de criatividade e uma lufada de ar fresco num país bafiento , sem qualquer género de esperança , criou um suplemento satítico o Coiso do semanário O Século. Mário Henrique Leiria é ainda uma fonte de inspiração para a nova geração de humoristas , tais como Nuno Markl em Fevereiro de 2003 na revista os Meus Livros .
Apesar das dificuldades , não esmurecemos e encontramos cartas , contos , guiões , contas , críticas de artigos de jornal , fotografias de planetas tirados no planetário em Lisboa e a sua crença de possibilidade de vida inteligente em Marte . A sua criatividade nascida através da publicidade , mais parte fazendo parte de um grupo de surrealistas , que havia de se retirar . Mário Henrique Leiria tem uma personalidade muito própria .O tema deste trabalho pretende mostrar de que forma é que foi criada a ficção científica através de Henrique Leiria , apresentar as características deste género e daquilo que o autor sabia fazer melhor contos , lenga-lengas e histórias fragmentadas , onde justificava por vezes a sua raíz judaica . Ao escolher este trabalho tomei consciência das dificuldades que me iam aparecer . O encerramento temporário da Biblioteca Nacional , levou a que procurassemos noutros pontos de pesquisa , como internet , as duas obras publicadas e retirar aquilo a que nós nos propomos estudar : Mário Henrique Leiria enquanto fundador de um novo género em Portugal , a ficção científica2 .
Para isso analisamos o género de ficção científica e fizemos uma pequena comparação , apresentando o contexto da época, uma pequena biografia do autor .
Estudar o humor em tom de pessoa torna-se essencial para compreendermos a biografia de Mário Henrique Leiria . Como é que ele conseguiu resistir ao conservadorismo , ao lápis censitório e nesse ponbto iremos estudar alguns dos seus textos de Contos de Gin Tónicos que sejam próximos ao género da ficção científica , já que as restantes obras são rascunhos e nunca foram publicadas .
Criar um novo género é ter a certeza de imortalizar a sua própria palavra para a eternidade , usando o non-sense , a lenga-lenga num registo quase infantil , o humor negro traduzindo-a numa rebeldia constante contra o poder instituído . Para criar este jardim foram não me podemos esquecer de diversas pessoas que nos permitiram a concretização deste trabalho de pesquisa . Em primeiro lugar à Elsa Viegas que no longíquo ano de 2003 nos emprestou os Contos e os Novos Contos do Gin Tónico , levando-me ao universo psicadélico leirianiano . Mais recentemente à nossa professora Cecília Barreira que apoiou desde o primeiro instante a realização destetrabalho , por fim queria agradecer o humor sincero e descarado na sua tenra idade ao meu sobrinho Miguel José e por fim à memória da nossa amiga Sónia Alexandra que foi a prova viva da genealidade e do humor muito próximo de Mário Henrique Leiria que estará para sempre nos nossos corações .
O humor é um tema raro e absolutamente temido pelos académicos portugueses.
É por essa mesma razão que existem muito poucos investigadores que ousam estudar tal terreno minado . O Humor explode , faz-nos pensar e alterar mentalidades . Mas o humor é uma coisa séria , pensada , cuidada, cheio de jogos de palavras que nos chega a pregar partidas , leva-nos a trazer surpresas agradáveis , leva-nos a concluir um desejo quase infantil de matar o pai ou a mãe . O humor pode trazer uma carga muito violenta e fazer feridos , destruir os alicerces de um edifício social , daí que fosse necessário olhar para os materiais de construção leiriniano . Criado sobre o estilo surrealista este género baseia-se em frases curtos e eleva-nos a diversos anadres onde cada escadaria traz uma surpresa atrás outra , onde esses estudos laboratoriais sobre o humor de Mário Henrique Leiria sejam particamente desconhecidos do público .
Preparar este jardim botânico colhido a partir das diferentes partes do mundo insere-se na densa floresta humana do jardim humorístico .
Para construirmos este paraíso humorístico juntamos duas obras essências que
que estudam e analisam a sátira4, o humor negro neste autor surrealista.
Para termos uma ideia mais concreta da linha do autor consultamos ainda escritos , as obras publicadas , mas também correspondência , críticas , guiões para cinema , rascunhos de romances que ainda não viram a luz do dia , escondidos no Reservados da Biblioteca Nacional apresentam as características que iremos analisar durante o trabalho .
Antes de apresentarmos a biografia do autor , analisaremos o humor tal como é , daí que seja interessante observar características de Bergson , Breton e outros autores que se aproximaram de leiria na sua critividade e na forma como criam universos paralelos .
Estão feitas as bases para a construção dos alicerces deste edifício , mas para isso basta saber como é que ele foi construído , quem foram os seus pedeiros, as suas visões , as viagens , as peripécias e a decoração feita dentro das salas deste género artístico . Por isso a visão de análise não se pauta só pelo lado de fora de um edifício , como também por dentro , a sumptuosidade da sua
própria decoração . Por isso comparar uma pessoa a um edíficio não seja de todo incorrecto , porque a sua própria forma de ser e de estar compreende toda uma época e ao mesmo tempo uma forma de representar a arte .
Mário Henrique Leiria é um autor maldito , pouco conhecido e mal amado. Aqui e ali foram sendo publicados artigos de docentes da Universidade Nova de Lisboa , da Universidade do Algarve, mas nada mais do que isso . Os Contos do Gin Tónico e os Novos contos do Gin Tónico foram incontornáveis para o nosso estudo. Nas lombadas das obras encontramos uma pequena nota biográfica.
Para situarmos o período surrealista não nos podemos esquecer da Anthologie de l’humour noir em André Breton.
Enquadramento histórico
Falar de ficção científica é falar da história do século XX . É elaborar uma complexa carta mental das expectativas e ambições , dos resultados e frustrações de um mundo em que o equilíbrio instituável entre o poder conformador da tecnologia e o lastro envergonhado da desigualdade económica e industrial .É elaborar uma complexa carta mental das expectativas e ambições , dos resultados e frustrações de um mundo em equilíbrio instável entre o poder conformador da tecnologia e o lastro envergonhado da desigualdade económica e industrial . É acima , de tudo , o desenhar de um quadro explosivo de confronto entre sistemas de valores arcaicos , ancorados n ailusória segurança de três mil e quinhentos anos de imperceptibilidade mudança no quadro de realidades e expectativas de uma humanidade essencialmente pastoral , e a incessante erupção de um maelstrom de súbitas mudanças catalisadas pela ubiquidade de uma tecnologia demasiado exigente em termos do próprio humano . A história da ficção científica nasce com a Revolução Científica no século XVIII , verificando –se a alteração de pensamento em relação ao mundo , ao homem e na forma de pensar o objecto científico . Mas se até aí era impensável fazer ficção científica o realismo dá espaço para um universo onde a ciência a morte criam uma nova forma de olhar o homem . Poderia ser recriado um homem após a morte ? E é sob esta temática que Mary Shelley cria um universo onde a electricidade é o universo motor para uma história completamente diferente de tudo o que já havia sido feito até então . Depois muitos outros surgiram , Júlio Verne e George Wells e é aqui que a ficção científica ganha os contornos típicos que algum su –género contém a invação extraterestre e a possibilidade
de vida inteligente .
Artur C . Clarke , Isac Azimov e Artur Huxley são os últimos autores a destacar.
Como afirma Jorge Candeias “ Se virmos bem as coisas , ou seja , se lermos com atenção os textos que têm sido apresentados como ficção científica ao longo da história da literatura portuguesa , verifica-se que muitos deles não tratam os temas de ficção científica nem utilizam as normas de ficção científica(...)".
Bastou quase um século para que começasse a gatinhar a ficção científica portuguesa , como se esta sofresse de alguma doença congénita até que se desenvolve com diversos movimentos , entre eles o surrealismo e o humor negro tão caraterísticos na obra Mário Henrique Leiria .
O Surrealismo nasce em Paris após a Primeira Guerra Mundial ocupando uma posição de destaque internacional face à vitória da Tripla Entente . A origem e o prestígio enriqueceram um campo cultural através dos ideiais e mentalidades .
Até 1914 o território francês fora palco de grupos artísticos e movimentos culturais que originaram correntes internacionais .
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Aos meus sobrinhos , Miguel , Gabriel e Clara
In Memoriam Sónia David ( 1977-1991)
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