Flamenco e chá*
Toda a Europa se enrolou sob o frio. Também por cá se levantaram as golas dos casacos. E os bolsos estão cheios de mãos. Escondem-se as pessoas nos agasalhos. Circulam na cidade, sem nariz e sem ombros. O sol ...é uma cor.
Reservei um lugar. Levantei o bilhete a tempo. No frio da tarde, antecipo o que hoje me reserva o Centro de Artes do Espectáculo, o Ballet Flamenco de Maria Carrasco. Sinto-me mais quentinha!
Preparo-me para enfrentar a rua. Nada de exageros. Não vou à Escandinávia! Não mais que o trajecto até ao automóvel. Uma camisola, outra camisola. O casaco, um cachecol. Isto deve chegar. Esta dificuldade em suportar o frio é congénita, quem cresceu à beira do Índico paga portagem no equador.
E lá me atiro, passo apressado, entre o parque de estacionamento e o Centro. Entro a tiritar. No hall, amigos saltitam de um pé para o outro, esfregam as mãos, também eles chegados da rua. Há ali um tempo de convívio que permite desenrolar o cachecol.
Estou enfim sentada, silenciosa, naquela pausa quase ritual de que gosto, em que me desprendo das coisas para usufruir de uma outra que não sei o que é, que vem aí, que vai surpreender-me.
É o momento em que tudo se conjura para a surpresa!
Sopra uma ligeira aragem. Parece vir do palco.
Claro, Maria Carrasco e os seus companheiros terão começado a trabalhar muito antes de nós chegarmos.Terão feito aquecimento, não terão frio, terão aberto qualquer porta. E nós acabámos de chegar, as portas estiveram abertas para nos receber.
Começa o espectáculo. Bizet. Carmen. Flamenco. Dança espanhola. As cores. O movimento. Os bailadores. As mãos delas. A voz da cantadora.
Tudo se conjura para a surpresa!
Insidiosamente a ligeira aragem toma conta da sala!
Insidiosamente sussurra-se, no meio das vicissitudes de Carmen, um certo mal estar. Corajosamente os espectadores arrefecem. Insidiosamente a sala está fria.
Volta-se a enrolar o cachecol. Aperta-se o botão do casaco.
O aquecimento da sala de espectáculos não funciona!
Insidiosamente... a surpresa está mutilada.
A surpresa mistura-se com um espanto. Um sabor a escândalo.
Teimosamente defendo a surpresa para que tudo se conjurara.
Eu não quero perder a surpresa!
Ninguém naquela sala queria perder o prazer da surpresa!
O incidente que nos afecta deve ter começado mesmo à hora do espectáculo!
Não foi previsto? Não foi corrigido em tempo útil?
Pior, o incidente não tem face!
Termina o espectáculo.
Os espectadores já não sussurram. Despedem-se, apressados. Saiem porta fora!
A surpresa dilui-se no espanto. O espanto morre-se-me no escândalo.
Longínquo vai o tempo em que Lauro António organizava um festival de cinema neste burgo. Os entusiastas, muniam-se de mantas que estendiam por cima do casaco. Aconchegados, sem espanto nem escândalo, tinham o prazer da surpresa.
Longínquo é o tempo.
Não andámos muito.
O que me separa desse longínquo tempo, da manta por cima do casaco, é pouco : um chá quente e 1000mg de Paracetamol , neste regresso a casa, em Portalegre.
*Por: Celeste Ceboleiro (19 Dez 2009)
P.S.
As pessoas, poucas, circulam na cidade sem nariz e sem ombros... A cidade desapareceuesco O dia esteve frio, mais que o habitual. Até em Portugal nos Faz muito frio neste fim de tarde, mais do que o habitual. As pessoas enrolaram-se em agasalhos. Mesmo ao sol faz frio.
Calculo que a artista esteja encantada, em exercícios de aquecimento nos bastidores. Faço tempo para assistir ao espectáculo de flamenco, no CAE da cidade.
Saio de casa preparada para o frio que estará na rua. Há uns dias que isto é a sério. Estamos no tempo dele, dizem-me. Nada que se compare com os 20 negativos de Espanha. Mas enfim, faz frio.
Que o último tenha o cuidado de puxar a lona e desligar as luzes.
Nota editorial:
Este artigo de opinião foi-nos enviado pela Dra. Maria Celeste Ceboleiro, médica e nossa tertuliana e foi publicado no Jornal Alto Alentejo.
Celeste Ceboleiro, médica no Hospital Distrital de Portalegre, proprietária da Livraria 8.6, nessa cidade alentejana, mulher culta e afável, foi a nossa principal apoiante, quando em 2002, em conjunto com o Carlos Casaquinha, enfermeiro na mesma cidade, também hoje, como ela, nosso amigo, decidimos fundar uma iniciativa tertuliana, o "Espaço Tertúlia", o qual ela acolheu na "sua casa", a Livraria 8.6, um dos espaços onde organizámos tertúlias nessa cidade.
Reservei um lugar. Levantei o bilhete a tempo. No frio da tarde, antecipo o que hoje me reserva o Centro de Artes do Espectáculo, o Ballet Flamenco de Maria Carrasco. Sinto-me mais quentinha!
Preparo-me para enfrentar a rua. Nada de exageros. Não vou à Escandinávia! Não mais que o trajecto até ao automóvel. Uma camisola, outra camisola. O casaco, um cachecol. Isto deve chegar. Esta dificuldade em suportar o frio é congénita, quem cresceu à beira do Índico paga portagem no equador.
E lá me atiro, passo apressado, entre o parque de estacionamento e o Centro. Entro a tiritar. No hall, amigos saltitam de um pé para o outro, esfregam as mãos, também eles chegados da rua. Há ali um tempo de convívio que permite desenrolar o cachecol.
Estou enfim sentada, silenciosa, naquela pausa quase ritual de que gosto, em que me desprendo das coisas para usufruir de uma outra que não sei o que é, que vem aí, que vai surpreender-me.
É o momento em que tudo se conjura para a surpresa!
Sopra uma ligeira aragem. Parece vir do palco.
Claro, Maria Carrasco e os seus companheiros terão começado a trabalhar muito antes de nós chegarmos.Terão feito aquecimento, não terão frio, terão aberto qualquer porta. E nós acabámos de chegar, as portas estiveram abertas para nos receber.
Começa o espectáculo. Bizet. Carmen. Flamenco. Dança espanhola. As cores. O movimento. Os bailadores. As mãos delas. A voz da cantadora.
Tudo se conjura para a surpresa!
Insidiosamente a ligeira aragem toma conta da sala!
Insidiosamente sussurra-se, no meio das vicissitudes de Carmen, um certo mal estar. Corajosamente os espectadores arrefecem. Insidiosamente a sala está fria.
Volta-se a enrolar o cachecol. Aperta-se o botão do casaco.
O aquecimento da sala de espectáculos não funciona!
Insidiosamente... a surpresa está mutilada.
A surpresa mistura-se com um espanto. Um sabor a escândalo.
Teimosamente defendo a surpresa para que tudo se conjurara.
Eu não quero perder a surpresa!
Ninguém naquela sala queria perder o prazer da surpresa!
O incidente que nos afecta deve ter começado mesmo à hora do espectáculo!
Não foi previsto? Não foi corrigido em tempo útil?
Pior, o incidente não tem face!
Termina o espectáculo.
Os espectadores já não sussurram. Despedem-se, apressados. Saiem porta fora!
A surpresa dilui-se no espanto. O espanto morre-se-me no escândalo.
Longínquo vai o tempo em que Lauro António organizava um festival de cinema neste burgo. Os entusiastas, muniam-se de mantas que estendiam por cima do casaco. Aconchegados, sem espanto nem escândalo, tinham o prazer da surpresa.
Longínquo é o tempo.
Não andámos muito.
O que me separa desse longínquo tempo, da manta por cima do casaco, é pouco : um chá quente e 1000mg de Paracetamol , neste regresso a casa, em Portalegre.
*Por: Celeste Ceboleiro (19 Dez 2009)
P.S.
As pessoas, poucas, circulam na cidade sem nariz e sem ombros... A cidade desapareceuesco O dia esteve frio, mais que o habitual. Até em Portugal nos Faz muito frio neste fim de tarde, mais do que o habitual. As pessoas enrolaram-se em agasalhos. Mesmo ao sol faz frio.
Calculo que a artista esteja encantada, em exercícios de aquecimento nos bastidores. Faço tempo para assistir ao espectáculo de flamenco, no CAE da cidade.
Saio de casa preparada para o frio que estará na rua. Há uns dias que isto é a sério. Estamos no tempo dele, dizem-me. Nada que se compare com os 20 negativos de Espanha. Mas enfim, faz frio.
Que o último tenha o cuidado de puxar a lona e desligar as luzes.
Nota editorial:
Este artigo de opinião foi-nos enviado pela Dra. Maria Celeste Ceboleiro, médica e nossa tertuliana e foi publicado no Jornal Alto Alentejo.
Celeste Ceboleiro, médica no Hospital Distrital de Portalegre, proprietária da Livraria 8.6, nessa cidade alentejana, mulher culta e afável, foi a nossa principal apoiante, quando em 2002, em conjunto com o Carlos Casaquinha, enfermeiro na mesma cidade, também hoje, como ela, nosso amigo, decidimos fundar uma iniciativa tertuliana, o "Espaço Tertúlia", o qual ela acolheu na "sua casa", a Livraria 8.6, um dos espaços onde organizámos tertúlias nessa cidade.
Etiquetas: Centro de Artes do Espectáculo de Portalegre, Flamenco e chá, Maria Celeste Ceboleiro
1 Comments:
At 9:31 da tarde, Anónimo said…
Por cá temos o Semedo e o vibrador que funciona com pillas...importadas.?.
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